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Nota Prévia :

Este Blog destina-se exclusivamente à divulgação de trabalhos escritos por mim para meu prazer e daqueles que eventualmente estivessem interessados na sua leitura.

Felizmente, foram muitos os que se me dirigiram a pedir que divulgasse alguns dos meus trabalhos, especialmente os que mais me marcaram ao longo da minha vida, daí ter feito uma escolha selectiva de entre todos eles, muitos ficando de fora, naturalmente .

Foi por esse motivo que surgiu este Blog .

Muitos desses trabalhos já haviam sido publicados em periódicos e revistas da especialidade e não só, muitos deles além fronteiras ( EUA e BRASIL ), e alguns chegaram mesmo a ser galardoados em Concursos de Contos e Poesias e diversos Jogos Florais .

À medida em que forem inseridos neste Blog, tentarei informar quais os já anteriormente publicados, onde e quando e se tiverem sido galardoados, quais os prémios que lhes foram atribuidos e quais as Organizações envolvidas .

Espero que a memória não me falhe e os meus apontamentos não estejam incompletos.

Ericeira, 20 de Janeiro de 2011

Carlos Jorge Ivo da Silva

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

AS AVELÃS


Seriam umas cinco horas da tarde. O Jardim do Cerco já estava fechado a essa hora .
Tínhamos saído da Escola Velha --- Escola Conde de Ferreira --- e lá fomos até ao Canal .
Éramos mais ou menos uns oito ou nove gaiatos ou talvez mais da mesma idade ou aproximada, rondando dos sete aos dez anos, entre rapazes e raparigas, que sempre andávamos juntos .
Dirigimo-nos pacatamente e sem ruído --- caso extremamente raro, diga-se de passagem --- até ao Jardim da Alameda, não fossem os do Canal ou os do Quartel --- dois dos muitos grupos rivais de miúdos do meu tempo existentes em Mafra ---darem pela nossa presença e então lá teríamos --- como sempre, aliás --- guerra rija e adeus avelãs, e por uma muito íngreme rampa subimos a encosta da Carreira de Tiro Pequena até à Quinta do Jorge Pinhão, que atravessámos num ápice pelo meio de centenas de torrões de terra lavrada até nos encontrar-mos à beira do esfarrapado --- nesse tempo --- murro do Jardim do Cerco .
Aí chegados, com todas as precavidas cautelas, saltamos para dentro do Jardim não sem antes vermos se o Jorge Pinhão estava por ali como era seu costume, pois se assim fosse não poderíamos regressar pelo mesmo caminho, como era natural .
Ninguém gosta que se passe por uma terra acabada de semear e nós sabiamo-lo bem, na própria pele, dadas as muitas vezes que fomos corridos a sete pés e a umas tantas pedradas, mais para assustar do que para acertar. Mas lá entrámos sem novidades de maior com mais ou menos sustos pelo caminho .
Tanto quanto me recordo, uma das obrigações do grupo era andar em fila indiana, reflexo de muitos dos filmes, que o Sr. Paulino nos deixava ver à borla no Cinema e que tanto nos entusiasmava, especialmente os de Índios e Cow-Boys ou os de Capa e Espada .
E assim fomos andando pelo Jardim dentro sempre à coca do Sr. Marques. O local aonde íamos ficava próximo da casa do guarda bem próxima do Parque das Merendas e não era nada bom se nos apanhasse " com a boca na botija ", pois além de uns bons " sopapos ", podia-nos entregar à policia, naquela época chefiada pelo Chefe Sereno, que tinha fama de não ser muito suave para com a pequenada --- lá tinha as suas razões, que hoje reconheço serem de sobra ---. Nunca me constou, porém, que alguma vez tivesse batido em algum de nós, mas fechava " o pessoal " no calabouço do Convento e fazia--se esquecido durante algumas horas --- embora avisasse as famílias, que o apoiavam nos seus " actos de repressão " aos petizes, pois reconheço hoje o quanto era difícil ao Chefe Sereno " ser prior de uma freguesia daquelas " .
Lá chegámos à álea, que demarcava a área onde estavam plantadas as avelaneiras, embrenhando-nos na mata muito vagarosamente e sem ruído, começando à procura das tão desejadas avelãs, que mal se viam, dada a escuridão que ali se fazia sentir. Mas, em pouco mais de quinze minutos, cada um encheu os bolsos como podia; e porque os bolsos de alguns estavam rotos, serviram os amarfanhados lenços para o mesmo serviço, atados no final de cheios em cruzado de bico a bico --- os bolsos da pequenada andavam quase sempre rotos pois serviam para guardar as nossas armas de guerra, que eram as fisgas e meia dúzia de calhaus, que acabavam sempre por os furar. Apesar desse grande inconveniente, sem elas é que nós não andávamos, embora soubéssemos, que em nossa casa isso daria lugar por vezes a umas boas palmadas --- .
Satisfeitos, regressámos pelo mesmo caminho, mas qual não foi o nosso espanto quando, ao tentarmos saltar o muro, vimos o Jorge Pinhão no lado de lá, com ar de quem estava à nossa espera. A sete pés reentrámos na mata e preparámos o nosso plano de resolução do problema, o nosso " plano de defesa ", como lhe chamávamos. Como iríamos nós voltar a casa, se o caminho estava " cortado " ?
Resolvemos entrar pela " Mina d'água " e sair na Tapada. Daí seria, decerto, mais fácil voltar à vila .
Atravessámos o Jardim do Cerco pela álea, que passa pelo Portão do meu avô --- ainda hoje conhecido pelo Portão Júlio Ivo, por ter sido ele a mandá-lo construir --- e sempre junto ao muro, que separa o Jardim do Cerco da Tapada, chegámos sem problemas à Mina, junto ao Lago Grande .
Entrados que fomos, descido o pequeno lance de degraus e dados mais alguns passos no interior do túnel, sentimos a porta fechar-se atrás de nós com grande estardalhaço e no exterior a voz do Sr. Marques, o Chefe dos Guardas, a rir alto e em bom som, dizendo-nos : " Meus malandros . . .
Sempre quero ver como é que vocês saem daí. Quando saírem não esperam pela demora. Vocês vão ver o que vos acontece, meus malandrões de uma figa ! " e vociferava a bom vociferar, mas sempre a rir como era seu costume .
Não havia dúvida de que tínhamos sido descobertos logo à nossa entrada ao saltarmos o muro para o Jardim, mas o Sr. Marques queria ver até que ponto éramos capazes de ir, e por isso nada fez até àquele momento, como quando muito mais tarde me explicou ao referirmo-nos em animada conversa ao assunto .
Dada a escuridão no interior do túnel, não podíamos ver as caras uns dos outros, mas não deviam ser muito bonitas, se de medo, de espanto ou de raiva. Falando baixinho deliberámos ir sair ao gradeamento, que ficava no final do túnel e aí fomos nós, sempre à espera de que algum morcego resolvesse vir de encontro às nossas cabeças. Porém. dessa vez isso não sucedeu, embora fosse frequente, sempre que lá íamos dentro .
Chegámos ao gradeamento, após andarmos aos encontrões por não termos levado " pilhas " --- lanternas --- para alumiar o caminho, passámos pelas grades largas do final do túnel e num ápice encontrámo-nos dentro da Tapada .
Mas, lá nos surgiu outro problema. Como sair da Tapada sem ser pelo Portão da Remonta ? Decerto, o Sr. Marques já teria avisado os Remontistas e os Guardas da Tapada e iríamos ter novos problemas com eles, porque não nos era permitido andar dentro da Tapada àquelas horas .
Tudo se resolve na vida e tomámos a decisão de ir saltar o muro da Tapada a cerca de dois quilómetros a norte, perto do Tanque dos Frades, embora já se começasse a fazer noite .
Atravessámos a zona das " Lagoas " e quando avistámos os guardas da Tapada, que vinham à nossa procura, correndo lá fomos através da mata e dos pântanos, que conhecíamos a palmo, chegando em poucos minutos ao Tanque dos Frades, que tivemos que rodear ao longo de uma área descoberta chamada a Horta dos Frades, embora com a nossa incursão pelos pântanos tivéssemos ganho mais de vinte minutos, o tempo que os guardas levariam a dar a volta para chegar até nós .
Atravessar descampados era, na verdade, o pior que nos podia acontecer, mas conseguimos fazê-lo sem termos sido detectados até darmos com uma das brechas do muro, por onde tantas vezes passávamos para irmos tomar banho ao Tanque --- e foram tantas as vezes, que lhes perdi a conta ---à revelia dos guardas, e saltámos para o exterior dando os nossos gritos de alívio à boa maneira " Tarzaniana ". Felizmente, cá fora não havia ninguém à nossa espera para " nos tratar da saúde " e lá fomos estrada acima até ao centro da vila, onde cada um de nós seguiu a caminho de sua casa para jantar --- ou talvez não, por ser um pouco tarde, e quando chegávamos tarde a casa, por vezes não havia jantar para ninguém, por castigo . . . bem merecido, diga-se de passagem, mas nunca suficiente --- .
Finalmente, tínhamos conseguido ir às avelãs sem termos sido apanhados, e lá combinámos outras aventuras para o dia seguinte .
Seriam como esta algumas das muitas peripécias por que haveríamos de passar ao longo da nossa juventude alegre e não menos atribulada, mas que provocou em todos nós um fortíssimo gosto pela vida, que ainda hoje felizmente perdura .

Lisboa, 1994

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