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Nota Prévia :

Este Blog destina-se exclusivamente à divulgação de trabalhos escritos por mim para meu prazer e daqueles que eventualmente estivessem interessados na sua leitura.

Felizmente, foram muitos os que se me dirigiram a pedir que divulgasse alguns dos meus trabalhos, especialmente os que mais me marcaram ao longo da minha vida, daí ter feito uma escolha selectiva de entre todos eles, muitos ficando de fora, naturalmente .

Foi por esse motivo que surgiu este Blog .

Muitos desses trabalhos já haviam sido publicados em periódicos e revistas da especialidade e não só, muitos deles além fronteiras ( EUA e BRASIL ), e alguns chegaram mesmo a ser galardoados em Concursos de Contos e Poesias e diversos Jogos Florais .

À medida em que forem inseridos neste Blog, tentarei informar quais os já anteriormente publicados, onde e quando e se tiverem sido galardoados, quais os prémios que lhes foram atribuidos e quais as Organizações envolvidas .

Espero que a memória não me falhe e os meus apontamentos não estejam incompletos.

Ericeira, 20 de Janeiro de 2011

Carlos Jorge Ivo da Silva

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

RECORDAÇÕES


Sentado à mesa de uma esplanada lia sofregamente uma página deslocada do meu caderno de recordações. Embrenhei-me nela como se nada mais existisse ao meu redor. Acabou-se o barulho, e o cheiro nauseabundo do bagaço, que o vizinho do lado ingeria deixou de ter sentido para mim --- apesar de tudo há bagaço e BAGAÇO. Aquele era dos que não prestava para nada e se escrevia com letra muito pequenina --- .
Bem perto, um par de namorados sentia-se feliz, mas aquela folha de papel entre os meus dedos fez-me esquecer completamente aquela cena, por mais agradável que fosse à vista .
Concentrei-me nas minhas leituras, sentindo os meus cabelos correrem como o vento na minha solidão. Sobre a folha passei eu a raciocinar e os movimentos do dia a dia naquela esplanada passaram a ser o nada para mim, a partir daquele momento .
Acordei, porém, com um forte barulho. Cairá uma cadeira sob um empurrão descuidado de um qualquer sujeito desajeitado. Era uma das cadeiras que  ornamentavam a minha mesa e aceitei um pouco contrariado o pedido de desculpas, que me foi de pronto apresentado, pois me fez parar aquele delicioso momento de recordações, a que estava entregue, havia ainda alguns poucos minutos apenas .
Lá voltei de novo a minha cabeça e toda a minha atenção para aquela folha de papel, aquela página solta, que era como eu, tão deslocada estava para além do humano e do sensível, como se o sensível não fosse humano ou o humano sensível . . . Palavras vãs, que levam o Homem ao desânimo . . .
Senti-me naquele momento um Sofista, pensando . . . pensando . . . só por pensar --- que o Sofista fala . . . fala . . . só por falar ---. Por vezes deixa de ser um defeito e passa a ser uma virtude que em mim se encontra, a capacidade que tenho de me tornar autista, quando mais necessito. Debrucei-me sobre essa página, que havia escrito quando tinha os meus dezassete anos de idade, talvez incompletos, e voltei a ser envolvido por ideias repletas de curiosidade e de ansiedade. Como um gigantesco sorvedouro procurei avivar nelas o meu pensamento e nele o que delas ainda restava passados tantos anos .
Em mim tudo se transformou num turbilhão disforme até se tornar num pequeno ponto luminoso, que vinha aumentando pouco a pouco. O assunto principal era sobre a FALSIDADE. Ainda verifico hoje que a ideia de que o mundo é repleto de falsidade mantém a sua actualidade, e só sinto verdadeiramente como nómeno a existência das torres do meu Convento e o mar azul lá na linha do horizonte a pouco mais de cinco quilómetros em linha recta a partir da minha terra natal .
No poeta e no contista existe sempre um poder imaginativo extraordinário que, muitas vezes, toca as raias do extra-sensorial, apesar de ter sempre como base o sensível em que a derrota de hoje pode muito bem ser a vitória de amanhã, encontrando numa e noutra a resposta para tantos problemas, que se lhes deparam, mesmo sem eles a buscarem .
Tal como o político, o escritor não deixa de ser um artesão, em que a escolha dos temas se identifica com a necessidade vital da imaginação criadora, um tanto ou quanto inovadora, por vezes .
Criar, na verdade, não é próprio do Homem, pois a ele só lhe compete transformar o que Deus criou e é nessa transformação, que o Homem se encontra em si mesmo --- ou deixará de se encontrar ---, pois sempre que  escreve algumas linhas, se as escreve, elas não são mais do que um meio utilizado para tentar o seu encontro consigo mesmo nem sempre resultando no que lhe convém ao seu estado de espírito no momento em que as escreve .
Digo muitas vezes : " A Vida é composta por dois dias " .
Certo é, que ainda não comecei a viver plenamente o primeiro dia, embora tenha tecido considerações as mais variadas acerca deste problema interior. No momento em que escrevi aos meus dezassete anos aquela página solta do meu livro de recordações, não pensava nisso. Creio, contudo, que ainda não comecei a saborear plena e intensamente a vida, que se me depara .
Derrota e vitória são dois termos, que me continuam também a encher de ansiedade perante o dia, que se avizinha. É nessa constante luta interior que eu vivo, raciocino e, algumas vezes, consigo transmitir ao papel como um cenário psíquico, que me vai na mente tendo a ribalta e os bastidores numa perfeita mas convulsa simbiose em constante mutação .
Associo Liberdade à Vida, considerando Liberdade como vitória ou a falta dela como derrota. Por outro lado ela significa PAZ comigo próprio e --- porque não --- com todos nós .
Levantei os olhos das minhas divagações e da folha de papel, pousando-a sobre a mesa fria de ferro pintada a branco baço, como baça é a maioria das consciências humanas. Olhei ao meu redor. Afinal de contas o barulho sempre existia e continuava intenso. Senti que ali não havia PAZ e, por isso, também ali não havia Liberdade. Mas, como não há efeito sem causa, também não há PAZ nem LI-BERDADE sem haver AMOR .
São estas três palavras, que encerram verdadeiramente o segredo de todo o Universo. Sem AMOR não há PAZ e, por isso, não pode haver LIBERDADE. Quantas vezes ouvimos dizer isto implicitamente nas conversas de todos os dias sem ligarmos a mínima importância ? . . . Quantas ?
Por muitas orações, que se façam ao Mundo, ninguém transige, ninguém abdica das suas posições cristalizadas tantas vezes incómodas e negativas. As pessoas são cientes da VERDADE sem o seu reconhecimento declarado mas, por medos intransponíveis e irresistíveis não querem voltar atrás e, assim, não se conseguem libertar, pois ninguém ama realmente ninguém no seio das sociedades contemporâneas ditas evoluídas, porque o não são .
Ninguém consegue dar um pouco de si mesmo sem querer, à partida, receber algo em troca, por um mínimo de recompensa que seja .
Tudo continua como no inicio da criação do Homem em que o NADA tinha com o CAOS uma equivalência lógica, porque o Homem foi sempre incapaz de se transformar e continua a sê-lo .
Será, porém, desse NADA que o TUDO um dia surgirá e com ele a consciência do que é PAZ, LIBERDADE e AMOR e de onde a FALSIDADE será para sempre banida, para não mais voltar .
Quantas vezes procurei conscientemente refutar a frase " Adeus mundo, cada vez a pior ! " . . .
A Esperança reside Nele e Nele se encontra o advento de toda a Felicidade. É preciso que o Mundo pense sem se tornar louco . . . Deixemo-lo pensar . . . e eu cá fico bem perto das torres do meu Convento sonhando com o mar azul no horizonte com velas ou sem velas enfunadas ao sabor dos ventos da evolução, apesar de debruçado outra vez e cada vez mais intensamente sobre a folha solta do meu livro de recordações, à mesa de uma esplanada igual a tantas outras existentes por esse mundo fora .

Lisboa, 1987

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