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Nota Prévia :

Este Blog destina-se exclusivamente à divulgação de trabalhos escritos por mim para meu prazer e daqueles que eventualmente estivessem interessados na sua leitura.

Felizmente, foram muitos os que se me dirigiram a pedir que divulgasse alguns dos meus trabalhos, especialmente os que mais me marcaram ao longo da minha vida, daí ter feito uma escolha selectiva de entre todos eles, muitos ficando de fora, naturalmente .

Foi por esse motivo que surgiu este Blog .

Muitos desses trabalhos já haviam sido publicados em periódicos e revistas da especialidade e não só, muitos deles além fronteiras ( EUA e BRASIL ), e alguns chegaram mesmo a ser galardoados em Concursos de Contos e Poesias e diversos Jogos Florais .

À medida em que forem inseridos neste Blog, tentarei informar quais os já anteriormente publicados, onde e quando e se tiverem sido galardoados, quais os prémios que lhes foram atribuidos e quais as Organizações envolvidas .

Espero que a memória não me falhe e os meus apontamentos não estejam incompletos.

Ericeira, 20 de Janeiro de 2011

Carlos Jorge Ivo da Silva

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

CARTAS DA AMÉRICA DO NORTE - V

O SOSSEGO

Como nestes últimos dias tem sido bastante frequente, mais uma vez entrei no " Howard & Johnson ", disposto a descansar um pouco o meu estado de espírito, numa necessidade imperiosa de o relaxar. O tempo estava calmo e era cedo ainda para quem como eu costuma sair a altas horas da noite da Agência de Viagens onde trabalho .
Sentado ao balcão alguém bebia sofregamente as letras de um qualquer " New York Times " ou " Daily Telegraph " .
Francamente ainda não consigo compreender porque lia, pois as bases que empregava nas suas discussões nunca passavam de uma sempre igual mania de dizer sempre a mesma coisa sobre tudo o que quer que fosse, e se fosse possível dizer mal, dizia .
De vez em quando lá vinha com os seus rodeios de quem parece querer mudar o ritmo das suas conversas ou dar a impressão de ter novas ideias ou nelas já ter evoluído, mas nada. Era uma lástima completa. Todavia, lá Ía conseguindo convencer muitos dos que o ouviam pela sua " lábia ", mas a mim só me conseguia convencer e cada vez mais de que a sua forma nata de pensar caminhava a passos largos para " um não passar da cepa torta " .
Fez-me pena ver um jornal daqueles, como qualquer outro jornal com dignidade, tão bem desenhado, tão bem impresso e com tantas horas de afinco profissional prestadas por aqueles que o escreveram, sempre tão bem informado e a tentar informar o melhor que pode e sabe com um carinho tão digno de " honrosa menção ", a ser ridicularizado por aquele " senhor ", que sem pensar. Ía dando cabo dos propósitos de quem o editou. Estou convencido que nem as letras "gordas" sabia minimamente entender, quanto mais as "magras" .
Bastou-me notar o quadro exposto para saber que nem anedotas tentava ler, quanto mais os artigos de fundo, os redactoriais ou a informação em geral, a qual o jornal estava destinado a prestar cheio de boas intenções . . . Pobres folhas que transportavam em si a consciência de quem as escreveu . . . e sem dúvida era um ultraje à consciência alheia o acto que aquele homem impiedoso e desajustado estava a praticar .
Dirigi-me, apesar disso e sabendo de antemão o que me esperava, lá para os seus lados, pois era uma das pessoas com quem tinha travado conhecimento e por quem tenho um mínimo de consideração, apesar de toda a desconfiança que me merece, por até então ter sido bem tratado, pelo menos na aparência e à minha frente .
Dada a minha posição social como Director da Relvas Travel Centre, havia necessidade de, numa talvez demonstração de " Show off ", apresentar os meus cumprimentos, nem que fosse por conveniência profissional, o que na verdade me contraria bastante, é certo, mas por remédio, reconheço-o, e abandonar tão depressa quanto possível " as lides ", à semelhança de tantas pessoas, que por ali passavam e faziam o mesmo .
Assim o fiz e só por motivo de um " Sunday Ice Cream " não fiquei apanhado na rede, mas logo me pus a andar dali para fora no sentido oposto. Tive também para me ajudar o facto de todos os bancos, que estavam perto do indivíduo, terem sido ocupados por outros clientes antes da minha chegada e ser esse um motivo mais que forte para dali sair, dado ter necessidade de me sentar em qualquer lado para descansar depois de um dia de trabalho extenuante como tinha tido .
No lado oposto ao balcão do bar era a sala de restaurante. Para aí me dirigi e talvez devido ao meu estado de cansaço e a uma atenção menor em relação ao que me propunha fazer, acabei por ver um Martini à minha frente, que bebi quase de um trago, pois sentia a garganta seca em demasia .
Aí só se viam " papoilas " e " andarilhos ". Uma das " papoilas " sorriu-me, mas senti-me enojado com o ambiente, apesar de ela não ser feiosa de todo. Era empregada da casa e o seu ar empertigado ao servir os clientes lembrava-me as pobres moças, que trabalhavam em Portugal nas " barracas de tiro ao alvo " nas feiras de aldeia ou mesmo da minha vila de Mafra em dia de festa em louvor do seu orago Santo André .
A lua passara o zénite e a noite profunda começara a dar os seus primeiros passos, enquanto eu meditava aconchegado no Martini, que tinha ingerido, e numa melodiosa música de piano, que ali se ouvia ao vivo, proveniente de um canto da sala onde me encontrava .
Tocava-se com uma clareza e suavidade dignas de nota. A melodia era linda. Música dos anos vinte era o que eu ouvia. Lembrei-me de Al Capone e daqueles parceiros de chapéu com abas um pouco largas caídas sobre os olhos debruado com fita preta e calça apertada junto ao tornozelo de um qualquer fato castanho, cinzento ou preto de bandas largas emoldurando uma berrante e larga gravata sobre camisa de seda de importação italiana, com todo o aspecto de ter havido mau gosto na sua escolha --- naquela época só sabiam escolher de bom a música, desde os " blues " de New Orleans até aos " Labour " e " Spiritual Songs " de Chicago, Menphis e Carson City. De resto . . . só o álcool, que misturavam no " Blended " para maior rentabilidade em vésperas da " Lei Seca " --- .
Fui sobressaltado por alguém a meu lado, que me cumprimentava. Não o conhecia. Sabíeis vós que nos bares se fazem grandes conhecimentos ? Tão grandes como os negócios chorudos, que por vezes se fazem às mesas de restaurantes entre o trinchar de um peru e uma fatia de queijo da Serra. Mas . . . a mim nem grandes nem pequenos . . .
Como quisesse descansar, embora tivesse retribuído o cumprimento delicadamente, não liguei muita importância. Pensei : " Estou bem, mas não estou para conversas ". O indivíduo compreendendo o meu estado de espírito escapuliu-se como por encanto e a cadeira ao meu lado voltou a ficar vazia .
Como o pianista foi substituído, também a música o foi, passando imediatamente de melodiosa a roufenha. Porém, a música de um " toca discos " conseguiu sobrepor-se a esta lá para os fundos do bar. Pelos vistos não era só eu que não gostava do que estava a ouvir --- um " caça quarters " ( quarters --- moedas de vinte e cinco cêntimos ), que funciona à maneira dos telefones, ou seja, leva as moedas e na maioria das vezes ninguém responde do outro lado da linha ---. Quem desse uns bons " murros " no " pic-up " podia ser que ainda se safasse e ouvisse alguma coisa ou recebesse o seu dinheiro de volta e o dos anteriores que nada tinham ouvido --- um novo género de obter um " Jackpot " numa " slotmachine " invulgar --- .
À minha esquerda havia uma escada de madeira bem envernizada e sobre o patamar que lhe dá acesso dois " pássaros " Portugueses conversavam com outras tantas raparigas de sotaque italiano. Eram clientes da Agência e do bar. Uma situação não impede a outra, como é natural, e para angariar clientes nada melhor do que visitá-los no seu " habitat natural " .
Quando a sua atenção se virou para o meu lado, notaram a minha presença e acenaram-me alegremente, chamando-me insistentemente. Reparei que tinham encomendado a uma das moças, que por ali se bamboleava, um Martini, indicando-lhe que se destinava à minha pessoa. Convém explicar que no Estado de Connecticut o Martini é a bebida da gentileza e do bom gosto. Não tive outro remédio senão aceitar a sua companhia e a bebida, que desta vez estava muito melhor servida do que a primeira . . . O que fazem os conhecimentos ?! . . . Entretanto, tinham ido sentar-se numa mesa bem colocada perto do piano, que voltara a ser tocado pelo primeiro pianista, talvez que o segundo tivesse adoecido propositadamente ou a instâncias do público. E lá fui eu sentar-me com os meus conterrâneos e as moças que os acompanhavam. Levantando-me da minha cadeira aí fui eu desanuviar a minha melancolia. Havia um banco circular rodeando a mesa por eles escolhida, que dava no máximo para quatro pessoas, mas com jeitinho lá nos sentámos os cinco um pouco apertados, é certo, mas . . . bem acompanhados . . .
Conversámos bastante, mas como não gosto de empatar ou desempatar e tivesse também um pouco de fome, apresentei as minhas desculpas e os meus sinceros agradecimentos pelo gentil convite que me tinham feito e raspei-me na direcção da área do restaurante, propriamente dito. Ao gesto de me levantar, os meus amigos levantaram-se também delicadamente, voltando-se a sentar em seguida, continuando assim na galhofa com as suas companheiras .
Procurei uma mesa vaga, o que àquela hora era bastante difícil, mas lá encontrei uma, não sem algum esforço e uma palavra grega, que se usa nestas ocasiões : " Eureka ". A mesa fica bem perto de uma janela emoldurada por fitas de chita coloridas a condizer com o vestuário das empregadas .
Chamei uma delas e encomendei um " Stack with french fries " ( ou seja, um bitoque com batatas fritas, à boa maneira portuguesa ) .
Durante cerca de meia hora ninguém me ouviu falar. Só intervalava para olhar os que entravam e saiam do restaurante e pouco mais numa atitude de mera curiosidade natural, além de pensar .
Pensava na terra, que deixara atrás de mim rumo ao desconhecido, nas minhas mulher e filha, que esperavam que eu regressasse em breve a Portugal desiludido destas paragens. Em suma, pensava na minha vida, enquanto os que me rodeavam não sabiam o que era sonhar ou pensar e muito menos o que ia dentro de mim : Tristeza, solidão, mágoa, saudade . . . palavras bem amargas, que nos fazem sofrer tanto e custam tão pouco a pronunciar . . . mas também um ânimo forte de vencer e construir algo novo . . . reconstruir-me interiormente e exteriormente . . . algo que a minha filha mais tarde soubesse entender e de que se pudesse orgulhar . . . mais do que ganhar o vil metal, que não deixa de ser necessário à nossa subsistência . . . Por esse lado esperava que nenhuma tivesse necessidade de estender as mãos à caridade nem de perto nem de longe. Só deve fazer sacrifícios quem tiver essa intenção e eu esperava ardentemente conseguir realizar esse meu sonho de independência mais interior do que exterior, à custa de imensos sacrifícios e em especial o da separação familiar. Para além de um sonho era uma verdadeira necessidade o que eu sentia .
A América do Norte não é o " País das Patacas ", que muita gente julga ser. Durante toda a semana trabalha-se violentamente em busca de mais uns dólares que, na maioria dos casos, é o único motivo que faz correr os imigrantes que aqui estão. Esse não era o meu caso especifico. Eles não se apercebem que pela inflação crescente esses mesmos dólares perdem o seu valor real, acabando por trabalhar por nada ou quase nada .
Por vezes, de noite, consegue-se descansar um pouco, utilizando os meios possíveis, ou seja, dando um saltinho a um bar durante uma hora ou duas e cavaqueando com alguns conhecidos ou amigos de longa ou fresca data . . . Comigo, só de fresca . . . e bem fresca, por sinal .
Em geral, os Americanos jovens não pensam no dia seguinte. Gostam de gastar à noite ou no fim de semana o que ganharam e . . . viva a Estátua da Liberdade . . . Os Portugueses, salvo raras excepções, quando emigram para a América têm o sonho da riqueza e da sua obtenção no mais curto espaço de tempo. Passados alguns anos verificam ser irrealizável esse sonho e acabam por sentir, que todo o esforço despendido e as canseiras e tristezas adquiridas foram inúteis, pois só lhes resta o seguro de vida que fizeram e a reforma que, aqui na América, para pouco dá senão para que se vá sobrevivendo .
Socorrendo-se, enfim, da saudade da Pátria, aí voltam eles ao solo de seu nascimento, só levando como única vantagem as diferenças cambiais, vivendo assim um pouco mais desafogados do que quando tinham partido para a América.
Os Americanos têm o sábado para desenferrujar a garganta, " tomando banho " nas bebidas mais incríveis e fazendo os maiores disparates depois de as beber e de as entornar pelos soalhos, acabando por resmungar por tudo e por nada, adormecer, ressonar e depois da " torta " ter passado, sair em direcção a casa com a cabeça a latejar e a boca a saber a papel de música em perfeita simbiose musical .
Ao domingo vão como meninos bem comportados à missa ouvir conselhos, que logo esquecem à saída da igreja --- seja qual for a religião --- só porque é fino e social ir-se à igreja na manhã de domingo, sendo assim determinada pela colectividade essa função como exemplo do perfeito e respeitado cidadão --- e tudo continua para eles a seguir na rotina habitual, que é no meu entender o " NADA " .
. . . Acabei as minhas batatas fritas à francesa --- nunca percebi porque lhes chamam assim, se são exactamente fritas na mesma maneira que se fritam em Portugal --- e o meu pequeno mas tenro e bem saboroso bitoque, por causa do molho que o acompanhava. Levantei-me e com o meu " ticket " ( conta ), que a empregada tinha deixado sobre a mesa, quando me trouxe a refeição, dirigi-me à Caixa vagarosamente, lançando um leve olhar de curiosidade sobre os presentes. À minha volta era a costumeira pasmaceira . . . e as mesmas caras de sempre, a que eu já me habituara a ver .
Junto à caixa registadora existem sempre cestinhos com pequenos chocolates, rebuçados, caramelos, pastilhas elásticas e outras guloseimas para consumo grátis dos clientes, que fazem a delicia da pequenada e entretém os adultos enquanto esperam que outros sejam atendidos à sua frente em perfeita demonstração de respeito cívico pela prioridade de cada um .
Mas . . . em relação ainda à pequenada . . . Que faria a minha filha de tenra idade se ali estivesse ? . . . e a minha mulher . . . a olhar para uns ursinhos de peluche lindíssimos --- esses para venda ---, que estavam numa vitrina delicadamente decorada por detrás da Caixa ? . . .
Cada estilo de guloseima para cada tipo de apreciador, é certo . . . pensei, pegando automaticamente numa pastilha de mentol coberta de chocolate, metendo-a maquinalmente na boca e mastigando-a de seguida . . . Era muito fresca e saborosa . . .
Como não tinha transporte, depois de saldar a minha conta, pedi uma boleia, que consegui obter alguns minutos depois da parte de outro conhecido, que morava perto de mim --- ainda hoje não sei se foi gentileza se oportunismo da sua parte ao conceder-me a boleia de que eu necessitava, devido a situações que se passaram posteriormente --- e lá fui para casa dormir e sonhar com o meu país e com a minha família.
Mais um dia se passou, mas . . . o " Howard & Johnson " ainda fica um pouco longe da Oak Street, onde moro, na vila de Naugatuck situada no coração do Estado Norte Americano de Connecticut . . .

Naugatuck ( USA ), 1982

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