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Nota Prévia :

Este Blog destina-se exclusivamente à divulgação de trabalhos escritos por mim para meu prazer e daqueles que eventualmente estivessem interessados na sua leitura.

Felizmente, foram muitos os que se me dirigiram a pedir que divulgasse alguns dos meus trabalhos, especialmente os que mais me marcaram ao longo da minha vida, daí ter feito uma escolha selectiva de entre todos eles, muitos ficando de fora, naturalmente .

Foi por esse motivo que surgiu este Blog .

Muitos desses trabalhos já haviam sido publicados em periódicos e revistas da especialidade e não só, muitos deles além fronteiras ( EUA e BRASIL ), e alguns chegaram mesmo a ser galardoados em Concursos de Contos e Poesias e diversos Jogos Florais .

À medida em que forem inseridos neste Blog, tentarei informar quais os já anteriormente publicados, onde e quando e se tiverem sido galardoados, quais os prémios que lhes foram atribuidos e quais as Organizações envolvidas .

Espero que a memória não me falhe e os meus apontamentos não estejam incompletos.

Ericeira, 20 de Janeiro de 2011

Carlos Jorge Ivo da Silva

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

PALAVRAS


Quatro horas da tarde num dia solarengo de Setembro, o meu barco, o " Rucha ", feito com fibra de vidro, classe " Argus " 402 S com motor " fora de borda " encontrava-se junto ao molhe, que separa a Praia do Norte da Praia do Peixe ( ou dos Pescadores ) na Ericeira, num pequeno recanto, que o molhe tem, tão protegido das investidas do mar quanto possível .
Dois cabos feitos de " nylon " seguravam-no ao amuralhado de cimento. Esperava pela chegada de meu irmão Mané para, pela segunda vez nesse dia, nos dirigirmos para a pesca e desta vez lá para os lados do " Recanto ".
Pela manhã, havíamos estado em frente à praia da Calada, situada a norte da Ericeira, mas nada tínhamos apanhado .
Enquanto o meu irmão não chegava ao local previamente combinando, lá estava eu acompanhado pela minha mulher e minha filha, que me tinham ido levar ao molhe e lá me ia entretendo a empatar alguns anzóis, sentado na muralha numa posição de lótus bastante imperfeita, mas suficientemente cómoda. Um pequeno acidente ocorrido naquele mesmo molhe, no mês de Julho anterior, provocava-me ainda bastantes dores num joelho, pois não me encontrava ainda totalmente restabelecido, sendo por isso aquela posição a mais conveniente .
Havia empatado um dúzia de anzóis, quando o meu irmão apareceu com o seu saquito de plástico azul, onde guardava alguns utensílios de pesca. Entrámos no barco, verificámos toda a palamenta, retira-mos os cabos que atracavam o barco ao cais, motor em marcha e lá seguimos direcção a noroeste para o local já referido, situado um pouco mais fora do " Gajeiro ". Este local é bem conhecido por todos os pescadores da Ericeira por se encontrar no enfiamento dos " faróis " da " Praia do Peixe " ( o termo " Gajeiro " aparece algumas vezes escrito " Gageiro " ) .
Faróis ensarilhados e aí temos o " Gajeiro ". O " Recanto " tem uma profundidade de vinte e quatro braças aproximadamente. Durante a manhã tinha-mos pescado a cerca de dezoito braças de profundidade e a pescaria, como já foi dito, fora muito má. A “ teca “ mal dava para uma caldeirada para três pessoas em que duas não tivessem fome e a terceira não gostasse, tal era a quantidade de peixe que tínhamos apanhado. Tinha havido intenso nevoeiro e os pontos de referência, que sempre buscamos na costa para detectar os pesqueiros por triangulação eram completamente invisíveis. Só à custa de bússola e de relógio nos aproximámos do local desejado. Nor-noroeste e quinze minutos de navegação com o motor de trinta e cinco cavalos no máximo da sua força .
Naquela manhã a tona da água parecia óleo numa ondulação larga. Por outro lado, a água corria a norte com uma força incrível e a chumbada, que sempre pomos no final da linha, boiava a bom boiar. A Cavala é um peixe que procura as meias águas. Acabámos por apanhar algumas dado o chumbo não tocar o fundo, pois era arrastado pelas águas em louca correria. Esperávamos que a tarde fosse bem melhor, já que a manhã fora para esquecer. " De esperanças está o mundo cheio " e eu não fujo à regra. Atrás do barco a escuma fazia um trilho curioso, dando-me a impressão de querer desenhar uma picada à boa maneira africana. Quem andou por aquelas paragens sabe bem ao que me refiro .
Meu irmão lá ia limpando as escamas a uma porção de sardinhas, sobre as quais, depois de limpas, ia deitando uma mão cheia de sal para as tornar mais rijas antes de serem utilizadas em pequenos filetes como isco, mais para cheiro do que para alimento, que os peixes são finos e quase não lhes tocam. Preferem outros iscos como o lingueirão, lula e amêijoa branca .
" Gente fina é outra coisa ", adágio popular que aqui cabe perfeitamente .
A dez minutos de viagem alcançámos o " Recanto ". Lançámos a " poita " e dando flame ao cabo esperámos que o " ferro " ( a ancora ou poita ) fizesse " fiche " no fundo alcantilado. A proa embicou a sul e lá foram as pescas para o fundo, todas artilhadas. A água corria agora a sul, mas sem a força desmedida, que levara durante a manhã. O peixe devia estar " a montes lá em baixo ", como dizem os pescadores da Ericeira, e não se fez esperar.. Aos soluços lá veio para cima o primeiro peixe e aos nossos olhos apareceu um belo e prateado sargo. Atrás dele muitos outros peixes vieram ora na minha pesca ora na do meu irmão, até que o sol se começou a pôr a oeste nos mares dos Açores. Só mais um lançamento, só mais outro e outros peixes lá iam entrando no pequeno porão do barco, mas começava a entardecer. O Ti João, responsável pelo guincho do Clube Naval, que retira os barcos da água para os pôr a seguro das intempéries, decerto não iria esperar por nós até noite dentro. Levantámos a poita com algum custo, é verdade, e rumámos para sudeste em direcção ao casario da Ericeira batido por um maravilhoso sol cadente .
Mesmo sobre nós surgiu uma gaivota e aí começou o espectáculo. Com as suas asas compridas como um planador tentava competir com a velocidade do barco. Fazia-me lembrar um " papagaio " de papel. Mantinha exactamente o mesmo rumo, que o barco levava .
Durante a extensão que nos separava do porto manteve a gaivota sempre a mesma direcção e a mesma distância, que a separava de nós. Assobiámos várias vezes e aos nossos assobios sempre respondeu com o seu alegre piar. Já perto do molhe, acompanhada por um piar mais longo como que a despedir-se virou a oeste, deixando-nos. Entrámos no porto e lá fomos içados pelo guincho do Clube Naval. Barco sobre o reboque e atrelado ao carro, lá foi para casa, não sem termos antes dividido o peixe, que tínhamos apanhado. O meu irmão ainda ficou a amanhar a “ teca “ de peixe, que lhe coube em sorte, nas águas calmas do " Lago " .
Todavia, ficava-me a recordação daquela gaivota, que sem palavras sempre procura fazer companhia aos pescadores da Ericeira, apanhando um ou outro peixito como recompensa da sua companhia, na expectativa de continuar a conversa no dia seguinte .
Para quê palavras ?

Ericeira

 ( Publicado após ter sido premiado em Jogos Florais promovidos pela Liga dos Amigos da Ericeira, tendo sido posteriormente publicado no seu Jornal “ FORUM “ )

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