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Nota Prévia :

Este Blog destina-se exclusivamente à divulgação de trabalhos escritos por mim para meu prazer e daqueles que eventualmente estivessem interessados na sua leitura.

Felizmente, foram muitos os que se me dirigiram a pedir que divulgasse alguns dos meus trabalhos, especialmente os que mais me marcaram ao longo da minha vida, daí ter feito uma escolha selectiva de entre todos eles, muitos ficando de fora, naturalmente .

Foi por esse motivo que surgiu este Blog .

Muitos desses trabalhos já haviam sido publicados em periódicos e revistas da especialidade e não só, muitos deles além fronteiras ( EUA e BRASIL ), e alguns chegaram mesmo a ser galardoados em Concursos de Contos e Poesias e diversos Jogos Florais .

À medida em que forem inseridos neste Blog, tentarei informar quais os já anteriormente publicados, onde e quando e se tiverem sido galardoados, quais os prémios que lhes foram atribuidos e quais as Organizações envolvidas .

Espero que a memória não me falhe e os meus apontamentos não estejam incompletos.

Ericeira, 20 de Janeiro de 2011

Carlos Jorge Ivo da Silva

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

CARTAS DA AMÉRICA DO NORTE - I


TEMA QUOTIDIANO

Eram nove horas da noite. Havia muito já o sol tinha tombado no horizonte. Ali em Naugatuck o dia parecia ser mais pequeno em relação a outros lugares, diminuído pela cadeia de montanhas que rodeia a Vila situada no coração do Estado Norte Americano de Connecticut .
Naugatuck, vila espalhada pelos montes verdejantes, só é reconhecida por um pequeno aconchegado de casas, que formam a sua baixa comercial. Bem perto desse aglomerado, situam-se alguns centros comerciais de renome internacional como o " SEARS " e o " PLAZZA ", rodeados de enormes parques de estacionamento, que deitam a invejar pela sua magnifica organização. Pelo centro desse grupo de casas, quase todas de rés-do-chão, passa-lhe um rio, que lhe dá o nome, de certa forma caudaloso devido a pequenos rápidos localizados a montante e a jusante da vila, mas estreito de margens, correndo paralelo a uma linha secundária de caminho de ferro, que aí tem o seu " terminus " .
As ruas principais são a " Main Street " e a " Oak Street " --- a primeira, tal como o seu nome indica, é a principal, e a segunda talvez tenha ido buscar o seu nome à tradição Irlandesa, grupo étnico este a que pertenciam os primeiros colonos da região e que fundaram a vila, possivelmente junto a uma aldeia índia, onde se fizeram comerciantes. Infelizmente nada resta de índios nessa região, pois o último casal de índios que se sabia haver até há pouco tempo na zona havia falecido num acidente uns três ou quatro anos antes. Não nos esqueçamos também da origem Celta dos Irlandeses, tendo em memória a antiga adoração do Carvalho Druidico ( Oak ) como centro fundamental das suas tradições de ordem mística --- .
Estas ruas são perpendiculares, cruzando-se junto a uma pequena ponte, de onde poderemos ver no fundo do rio em vez de peixes ou outra forma de vida subaquática velhos pneus e latas de bebidas deitados ao acaso como desperdícios menosprezantes da natureza. Dizia-se que outrora ali se pescava abundantemente. No entanto, a água é corrente, translúcida e brilhante, o que nos dá a impressão de ainda não ser muito poluída ao contrário da maioria dos cursos de água da América do Norte .
Com o degelar das neves, que o Inverno são intensas, o rio torna-se naturalmente muito mais caudaloso, saindo das suas margens naturais, alagando os terrenos que, acompanhando o seu leito, se tornam na Primavera autênticos paraísos cobertos de flores, deixando no ar um intenso perfume campestre .
Muitas casas sobranceiras ao rio são também alagadas mas, normalmente, sem grandes prejuízos materiais, pois os seus moradores precaveem-se com muito cuidado a tempo e horas .
A maioria das casas é do tipo " Chalet ", construídas quase totalmente em madeira, mesmo exteriormente, havendo no entanto no seu interior o melhor conforto. Têm. em geral, uma cave, que serve para, além de armazém e dispensa, de local onde se situa o centro nevrálgico de aquecimento eléctrico central por tubagens de água, que circulam pela casa em circuito fechado, e de bar onde os proprietários recebem hospitaleiramente os seus convidados antes de qualquer refeição, à qual dão sempre um requinte muito especial, e guardam normalmente os seus néctares mais preciosos .
Durante o Inverno, a temperatura medida em graus centigrados chega a descer até aos vinte e três graus negativos, ultrapassando por vezes essa marca, mas como Naugatuck está protegida dos ventos pelos montes circundantes,
ventos esses que raramente se sentem, o frio também não se torna difícil de suportar. Talvez tenha sido essa a principal razão porque os primeiros colo-nos terão fundado aí a vila, à semelhança dos índios aí existentes .
Um bom agasalho e umas botas tipo cardadas bem forradas interiormente resolvem perfeitamente a situação, não esquecendo, claro, umas luvas feitas de pele e um chapéu ou barrete de lã, para proteger as orelhas, pois é nelas, no nariz e nas mãos, que o frio mais se faz sentir .
Vêem-se com muita frequência gamos e veados nesta época do ano entre as árvores das florestas circundantes da vila, especialmente compostas de choupos, muitos deles de grande porte devido à sua idade e por ser proibido corta-los .
As estradas ficam cobertas de neve e torna-se necessário recorrer aos " limpa gelos " e ao sal para as limpar diariamente ou mesmo algumas vezes por dia, para nunca as deixar intransitáveis. O sal é utilizado para que a neve ao derreter não se transforme em gelo, o que seria pior para os automobilistas, pois criaria situações desastrosas com consequências imprevisíveis e indesejáveis, o que, apesar de todas essas cautelas, ainda acontece com alguma frequência .
Uma boa auto-estrada, o " HIGHWAY ", encontra-se suspensa sobre pontes paralelas ao rio, a menos de vinte metros deste. É o "High-way " numero oito, que nos leva directamente à capital do Estado, Hartford, passando por Denbury e Waterbury, esta última cidade já com cerca de cento e vinte mil habitantes, entre outras de menor dimensão e de mais fraca estrutura socioeconómica .
Naugatuck é dependente do Condado de New Haven, que se situa nas suas proximidades, no sentido leste a cerca de trinta milhas, na direcção de Bridgeport, outra das grandes cidades industriais do Estado de Connecticut e onde os Portugueses se encontram representados em grande escala. Aliás, é rara a cidade norte americana junto às costas este e oeste onde os Portugueses não estejam reunidos em grandes colonatos, especialmente em cidades piscatórias como as da área de Cape Cod, no nordeste, por exemplo. Torna-se mais raro, isso sim, encontrá-los nos Estados Centrais, o que é perfeitamente natural, devido às suas ligações tradicionais ao mar, pois não o podem perder de vista .
A Vila de Naugatuck tem como principais centros de reunião social a Biblioteca Municipal e o Clube Português, além do Howard & Johnson --- tipo de motel, restaurante e bar bem equipado --- e o Farmshop --- tipo de Café, onde os habitantes costumam tomar o seu pequeno almoço e reunir-se após o seu dia de trabalho --- .
Quanto a transportes públicos existe uma certa precariedade. Só uma " limosinne " com capacidade para doze pessoas liga a Vila à capital do Estado e a New York, a intervalos de uma hora, para além do comboio, que só vem a Naugatuck duas ou três vezes por dia proveniente de New Haven em linha reduzida, embora a partir desta cidade já haja ligações amiúdo para todas as principais cidades norte-americanas .
De resto, só se pode contar inevitavelmente com viaturas particulares ou com " boleias ", que os amigos gentilmente nos cedem .
A população operária de Naugatuck vive prioritária e principalmente da indústria borracheira de pneus --- Union Rubby ---, havendo naturalmente o pequeno comércio e a indústria de turismo, especificada em Agências de Viagens de boa qualidade, que dão apoio às seis ou sete etnias, que vivem distribuídas pela região --- Irlandeses, Portugueses, Brasileiros --- estas três em maioria --- e Jugoslavos, Canadianos francófonos, Porto-riquenhos e Italianos ---. Existem também outras etnias, mas não são significativas devido à sua fraca expressão numérica .
Na área de Naugatuck existem muitas " Mansões " pertencentes não só a artistas de Cinema mas também a grandes magnates industriais, que aí se refugiam para descanso ou para estarem mais protegidos do público ou da bisbilhotice da comunicação social, que frequentem-te os assedia .
É comum ver-se o verdejante da relva bem tratada envolvendo essas magnificas mansões, dando assim um ar colorido mesmo no Inverno a uma natureza propicia à meditação e ao isolamento voluntário .
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Mas vamos lá continuar a nossa conversa, pois creio bem que estareis agora em condições de vos aperceberdes do ambiente, que rodeia a vila de Naugatuck, onde me encontro .
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Sentei-me confortavelmente a uma mesa do " Farmshop ", cujo estilo decorativo interior é bem diferente do " Howard & Johnson ", embora o tipo de construção exterior seja idêntico. As mesas encontram-se divididas por tabiques construídos em madeira, dando um ar de independência e privacidade ao ambiente sempre acolhedor .
Ali tudo se passa como numa boa pastelaria, à excepção do serviço de bebidas alcoólicas, que aí são proibidas. Nos Estados Unidos, só são vendidas bebidas alcoólicas em restaurantes, centros comerciais e bares, mas sempre sobre controle rigorosíssimo do " Licors Control ", um departamento estadual, que até funciona bem, ao contrário de muitos outros departamentos estaduais .
Como o fruto proibido é sempre o mais apetecido, penso que seja essa a razão pela qual a juventude americana, pelo menos na vila onde me encontro, se embebede tanto, apesar de ser sempre a horas nocturnas e bem longe da vista da grande maioria dos cidadãos .
Olhei à minha volta e lá estava a rapaziada do costume, tendo F ... como centro de gravidade das atenções e conversas da sempre palradora gente portuguesa, frequentadora de tão acolhedor e aprazível estabelecimento .
Chamei a Pattie, uma simpática e cinquentona empregada, sorridente e mãe de filhos, cujo marido, outro bonacheirão como ela, também ali trabalha a preparar as encomendas que o pessoal faz, de fora para dentro do balcão .
Pedi um café sem leite --- um " Large black cofee " --- e pus-me instintivamente a ler a lista única de iguarias doces e salgadas, por curiosidade .
Passados alguns segundos, a Pattie trouxe-me o " Café de saco ", sempre pronto a ser servido aos costumeiros clientes --- de café, bebe-se o que se quiser, pagando-se somente uma única taxa --- .
Bem próximo, continuava a vozearia, que se fazia ouvir com estridentes gargalhadas, próprias de quem se está divertindo muito .
Quando acabei de beber o meu café, servido em chávena, que mais parecia uma piscina sem prancha de saltos, levantei e desandei para junto daqueles palradores, os quais muitas vezes me fizeram sinais para que me fosse sentar junto deles .
Mais de uma hora havia passado desde que ali entrei. Começava a ser tarde e eu tivera um dia de trabalho extenuante na " Relvas Travel Centre ", a Agência de Viagens onde me encontrava com as funções de " Manager " .
Sentei-me numa tentativa de recuperar do meu cansaço, conseguindo efectivamente tirar partido desse intento, interiormente. Acordei mesmo. Aliás, quem estivesse na disposição de ali dormir, nunca o conseguiria devido àquele habitual vozearia infernal .
Boa gente . . . Boa gente . . . aquela da Murtosa e do Porto. Também lá havia Transmontanos, tal como o dono da Relvas Travel Centre, mas em número mais reduzido. Todos boa gente . . . Todos boa gente . . .
Pedi mais um " cafezão ", em antítese ao tão saboroso " cafezinho " do Brasil, tão cheio de bom aroma e requintado de gosto .
Paciência . . . Quando não há melhor . . . melhor fora que o houvesse . . .
Palmo e meio era a distância que me separava daquele animado grupo . . . Um cacho de gente, que me fazia lembrar um de uva moscatel, por ser de gente espadaúda e tisnada pelo sol. Éramos uns dez sentados num espaço, que daria no máximo para seis. Falava-se bem alto, de tudo e de nada, disto e daquilo . . .
Sobrepondo-se à vozearia, o F ... dizia : " No outro dia, aquela garota que além está . . . ", apontando com os olhos uma bonita rapariga, que estava sentada a uns metros de distância. E o tema era quase sempre o mesmo, apontando o sexo oposto como apanágio característico dos latinos e em especial da " forte gente lusitana " .
Diziam-se piadas por tudo e por nada em alegre cavaqueira, enquanto outros, a título de intervalo, se lamentavam da sua pouca sorte naquela espécie de jogo da vida. A badalada superioridade física de uns contrapunha-se à timidez natural da maioria .
Coitados . . . Tudo boa gente . . . Gente viva numa terra morta . . . ou moribunda . . .
Que eu saiba, o café nunca embebedou ninguém, a não ser quando com cheirinho e este fosse a bagaço e a quantidade ingerida fosse bastante. Por outro lado, nem cheirinho à portuguesa havia, como se sabe, porque já foi dito .
É bem possível que aqueles camaradas tivessem vindo já de outras bandas. Todavia, não seria muito de acreditar pelo que se passava diariamente. Sempre que vou ao " Farmshop ", aí estão eles na mesma galhofa, que fazem o encanto das empregadas de mesa e o descontentamento de muitos dos clientes que ali vão. Elas são interrompidas a cada momento com os gracejos mais incríveis .
A mulher, em geral, gosta de ser cortejada, mesmo que seja por chalaça ou por brincadeira .
Frases havia, que saiam dos lábios daqueles palradores com piada bastante para fazer rir até os clientes mais descontentes. O F ... perguntou a certa altura a uma das moças se ela tinha uma Bíblia, a qual respondeu admirada :
" Não, senhor. Não tenho . . . Porquê ? ". " Bem " retorquiu o F ..., " É que com essa carinha de anjo, julgava que passava o dia a ler o breviário . . . ".
Noutra altura, alguém chamou outra empregada, a Rose, e perguntou se ela era casada, tendo ela respondido muito séria :
" Sou sim, senhor. Porquê ? ", ao que o indivíduo retorquiu : " Está bem . . . Não faz mal . . . Eu também não sou ciumento . . . " .
E, destas frases, muitas eram ditas por aqueles que se queriam esquecer do intenso dia de trabalho, que haviam tido, tal como eu, e se queriam relaxar tanto quanto lhes era possível. Discussões de futebol também eram frequentes .
Quando o dia já Ía longo, preparei-me para deixar aqueles alegres companheiros, levantando-me e apresentando as minhas desculpas por sair, não sem antes ter sido bastas vezes interrompido nos meus intentos, ou porque a conversa era engraçada e me chamava a atenção ou porque aqueles parceiros me impediam de o fazer .
Já era muito tarde e senti interiormente uma grande necessidade de me deitar. Dirigi-me à Oak Street onde morava, através da ponte sobre o rio Naugatuck. Estava frio, mas ia bem agasalhado, o que não me impedia o regresso a casa, depois de ter acabado de passar aquele resto de dia na companhia de alguns elementos, que compõem a Colónia Portuguesa da Vila de Naugatuck, situada no coração do Estado Norte Americano de Connecticut .

Naugatuck ( USA ), 1982

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