SEJAM BEM VINDOS A ESTE BLOG

Nota Prévia :

Este Blog destina-se exclusivamente à divulgação de trabalhos escritos por mim para meu prazer e daqueles que eventualmente estivessem interessados na sua leitura.

Felizmente, foram muitos os que se me dirigiram a pedir que divulgasse alguns dos meus trabalhos, especialmente os que mais me marcaram ao longo da minha vida, daí ter feito uma escolha selectiva de entre todos eles, muitos ficando de fora, naturalmente .

Foi por esse motivo que surgiu este Blog .

Muitos desses trabalhos já haviam sido publicados em periódicos e revistas da especialidade e não só, muitos deles além fronteiras ( EUA e BRASIL ), e alguns chegaram mesmo a ser galardoados em Concursos de Contos e Poesias e diversos Jogos Florais .

À medida em que forem inseridos neste Blog, tentarei informar quais os já anteriormente publicados, onde e quando e se tiverem sido galardoados, quais os prémios que lhes foram atribuidos e quais as Organizações envolvidas .

Espero que a memória não me falhe e os meus apontamentos não estejam incompletos.

Ericeira, 20 de Janeiro de 2011

Carlos Jorge Ivo da Silva

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

A PONTE ( FINAL )

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A " Família " desmembrou-se um pouco, aliás como era natural, mas sempre restava a hipótese de se reconstituir, quando todos cá chegássemos. Julgo que também eu próprio sonhava com utopias, com castelos no ar, pois cada um tinha a sua vida para viver e nada nos garantia, que pudéssemos ficar próximos uns dos outros, o que realmente nunca pôde acontecer, ficando cada um de nós em cada canto da cidade ou mesmo fora dela como foi o caso do Carlos Ventura .
O Carlos Ventura e o Pai Machado ficaram comigo no Huambo até ao fim dando por várias vezes o seu lugar nos aviões a outros mais necessitados e com menos esperanças de vida. Só quando a vida do Pai Machado perigou devido ao seu relacionamento com o filho, notável membro do MLPA naquela época, é que saiu para Luanda escondido num portabagagens do carro do Carlos Ventura até ao aerpoporto, embarcando sob sigilio absoluto no primeiro voo disponivel. O próprio Carlos sentiu a sua vida ameaçada devido a essa situação e por várias vezes quiseram-no abater também. Nas vésperas da independência, terminada a Ponte Aérea, o Carlos seguiu viagem comigo até Lisboa onde a mulher e a filha o esperavam. Mais tarde o Pai Machado e a Mãe Palmira vieram definitivamente de Luanda para Lisboa e várias vezes nos reunimos sempre que os filhos Armando ou Carlos vinham a Portugal com as esposas e os filhos destes. O Pai Machado ainda chegou a voltar ao Huambo com a Mãe Palmira, tendo-os encontrado aí como disse, em 1983, mas como o ambiente de insegurança continuava e completamente desiludidos desistiram de tudo e voltaram definitivamente para Portugal .
Quando terminou a ponte aérea procurei em Lisboa o Gil e a Teresa, que tinham acabado de " dar o nó ", tendo-se unido pelos laços matrimoniais como era de esperar. Porém, os problemas que eu supunha virem a existir começavam a concretizar-se. Os empregos eram parcos e o Gil e a Teresa nada tinham ainda conseguido com que pudessem sair do sufoco em que estavam. É certo que o IARNE pagava um pequeno abono de alimentação e dormida, mas tão pequeno era, que não dava para quase nada. Ficaram durante algum tempo hospedados no Hotel D. Manuel, mas não era o que eles esperavam, por nunca terem acreditado no que eu lhes havia dito em tempos. A vida começava a desiludi-los profundamente e as recordações da sua terra de Angola sobrepunha-se à necessidade da própria resolução dos seus problemas que, apesar de tudo, tão estoicamente enfrentavam .
O pai do Gil não conseguira recuperar totalmente da sua saúde e muito menos encontrar-se. Os tempos de Angola ainda lhe eram presentes com demasiada frescura não fazendo outra coisa senão lastimar-se pela perca dos seus haveres e, em especial, pela ausência da sua companheira desaparecida em tão brutais circunstâncias e ainda por cima culpando-se do sucedido por não ter sido capaz de o evitar .
Quem vivia bem, sem problemas económicos ou de espécie alguma e se vê repentinamente a braços com uma desgraça daquelas, quase sempre procura justificar a sua vivência culpando os outros pelo que lhe sucedeu, não encontrando forças para reagir a tal situação, ficando psicologicamente bloqueado, em nostálgicas miragens, que não levam a outro lado senão ao desespero. Por outro lado a idade não perdoa e muitas menos hipóteses há de poder arranjar trabalho. A falta de emprego ajudou profundamente ao avolumar constante de problemas e de incertezas. Uma das irmãs do Gil casara há alguns anos com um “ ricaço “ em Angola, que a tempo se pôs a salvo com os seus haveres, metendo-se a político para salvaguarda dos seus interesses pessoais. Como se isso não bastasse levou a mulher atrás da sua forma mesquinha de pensar, transformando-a completamente. Nem o próprio pai ela auxiliou, quando ele mais precisava e creio bem que até a noticia da morte da própria mãe não terá passado de uma noticia irrelevante tanto para ela como para o marido, pois procuravam ainda denegrir as pessoas mais chegadas, de maneira a poder levá-las ao seu total afastamento, não fora o caso de poderem vir a prejudicá-los na sua vida social e política. As irmãs que estavam na África do Sul nem se dignaram a escrever sobre a morte da mãe, apesar do Gil ter tido o cuidado de as informar telefonicamente, aquando da primeira vez que foi a Luanda depois do sucedido, pois do Huambo não tinha tido possibilidades de o fazer. Contou-me na altura que elas receberam a noticia com a maior das naturalidades e nem sequer perguntaram pelo pai, o que o deixou completamente de rastos pela frieza das irmãs. Em suma, um nojo. A outra irmã, mais velha e mais sensata resolveu não deixar o pai tal como ele, especialmente quando soube o estado de saúde mental que o afectava, fazendo tudo para melhorar a sua situação financeira e familiar. Todos os trabalhos lhe serviram desde que lhe proporcionassem a entrada de mais algum dinheirito em cofre, de si próprio muito abalado, com que pudesse fazer face às imensas despesas, que Ía tendo acima de tudo com a doença do pai. Desde lavadeira de roupa num hotel até empregada de copa em " part-time " tudo lhe servia. Não nos esqueçamos que no Huambo onde sempre vivera nunca lhe faltara nada nem mesmo empregados para a servirem. Nunca tivera a mínima privação. Contudo, soube perfeitamente adaptar-se, embora por necessidade, devido a ser de entre todas as irmãs a única que tinha um espírito bem formado, à mais que incómoda situação em que se encontrava para seu bem e de seu pai .
Com o decorrer dos tempos o Gil e a Teresa foram perdendo todas as ilusões. A única esperança que restava ao Gil era voltar ao Huambo, quando a guerra terminasse ou as coisas se moderassem substancialmente .
Entretanto, um irmão do pai continuava em Luanda com altas funções dentro do MLPA, a nível da Secretaria de Estado do Café --- mais tarde absorvida pela Secretaria de Estado da Agricultura --- e o Gil escreveu-lhe várias vezes sem obter resposta. O cunhado que ficara em Luanda tudo fazia para o demover das suas intenções, tendo mesmo escrito ao tio para que não ligasse às cartas do Gil, conforme lhe confessou a irmã casada em Luanda, chamando-lhe os nomes mais depreciativos que se poderá imaginar, neles incluindo o de " calão " e outros ainda piores. Eu sabia bem o quanto isso não era verdade, pois o Gil quase não dormia trabalhando em tudo o que lhe vinha à mão, desde cabarés com música ao vivo a Night Clubs privados, dando espectáculos por tudo quanto era sitio apesar de ser pessimamente recompensado pelo seu fatigante trabalho, sendo ele a mola real das finanças caseiras .
O Gil e a Teresa pediram-me por vezes diversos conselhos e procurei auxiliá-los o melhor que podia e sabia. Como tinha um amigo em Lille, França, escrevi-lhe a contar a situação do Gil e pedi-lhe emprego para o casal, o que foi aceite na volta do correio para minha grande alegria e dos dois jovens, que logo fizeram as malas e partiram imediatamente para França a tentar refazer a sua vida .
Porém, ainda em Portugal, as coisas começavam a levar descaminho. A Teresa começara a mudar o seu comportamento para com o Gil e constava até que não se ía portando lá muito bem como esposa, passando a andar com uns e com outros na ausência do Gil. Eu próprio tive ocasião de o constatar para minha grande tristeza. O Gil sabia-o e andava totalmente " desatinado " e cada vez mais a ideia de voltar ao Huambo era para ele o único objectivo possível como resposta às suas ansiedades, tornando-se num nostálgico sentimento de saudade pela terra que o viu nascer. Nunca conseguira adaptar-se ao novo esquema de vida. Pouco tempo depois o Gil e a Teresa separaram-se em França como resultado inevitável das transformações psíquicas sofridas por ambos e o Gil regressou a Portugal por incompatibilidade para com a Teresa e para com a mentalidade Francesa, sempre na expectativa de uma resposta afirmativa do tio, a quem não deixava de escrever pedindo-lhe que intercedesse por ele. O meu amigo de Lille escreveu-me dizendo da muita pena que tinha do Gil, pois ele era um extraordinário trabalhador e um impressionante artista, o que eu de sobejo já sabia, lastimando a sua perca, pedindo-me que o não desamparasse e avisando-me que o Gil começava a dar mostras muito sensíveis de vir a entrar numa crise depressiva de esquizofrenia, que lhe poderia vir a ser irremediavelmente fatal .
A certa altura desenlaçou-se a meada sem que eu o previsse, pois o Gil, embora triste, andava calmo e tinha arranjado trabalho certo num Night Club, onde já tinha trabalhado antes de ir para França .
O Gil pôs termo à vida afogando-se no rio Tejo, para grande desgosto de todos os que o conheciam, mas que nada podiam fazer para melhorar a sua situação e nem sequer puderam impedir o seu acto tresloucado .
Contaram-me depois que o Gil, entretanto, se tinha dedicado a viver de expedientes ilícitos como a droga, etc. . . . etc. . . . deixando o emprego certo, trocando-o por outros incertos, de forma a poder arranjar dinheiro fácil para se poder ir embora para qualquer lado e que a certa altura teria sido agarrado quase em flagrante pela judiciária, que o deixou ir em liberdade a troco não sei de quê .
Para azar do destino, soube pela irmã, que vivia com o pai, que o tio havia escrito uma carta ao Gil mandando-o regressar a Luanda enviando-lhe o dinheiro das viagens para ele e para o pai e irmã, tendo tudo preparado para os receber e onde lhe dizia que lhe arranjara um emprego capaz dentro da Secretaria de Estado, mas ela não tinha conseguido encontrá-lo para lhe entregar a carta do tio, porque há mais de uma semana que ele não Ía a casa. Não tinha conseguido encontrá-lo e, por isso, ele não tinha tido conhecimento do conteúdo da missiva. Ela recebera-a dois dias antes da morte do Gil, mas como ele já não parava em sitio certo, fora-lhe impossível levar ao seu conhecimento as tão esperadas noticias do tio .
Da Teresa nunca mais soube nada a não ser que já não se encontra a trabalhar no local que o meu amigo lhe arranjara em Lille, e que possivelmente se tinha dedicado à prostituição. Tudo o levava a crer nesse sentido. Ela despedira-se do restaurante onde trabalhava ao dar aso a um escândalo que envolveu o dono do restaurante, a quem a mulher deste deu um tiro por causa dela. Infelizmente, seria um dos muitos escândalos, que já tinha dado em Lille, segundo informações do meu amigo, que se transformara em protector do Gil à minha semelhança e por meu intermédio, embora por seu merecimento .
Do Gil só fiquei a saber o local da sua campa no cemitério do Alto de S. João, em Lisboa, tendo o seu corpo sido transladado mais tarde para o Huambo a instâncias minhas e de outros amigos comuns, que comunicaram com o tio e a irmã e que conseguiram concretizar o último desejo do Gil, ou seja, voltar ao Huambo pela última vez .
Da irmã e do pai soube que não tinham aceite o convite do tio do Gil, porque só queriam ir para o Huambo e não para Luanda e somente quando as coisas arrefecessem finalmente por lá e que, pelo contrário, tinham arranjado uma casinha onde viviam mais desafogadamente em virtude de ela ter arranjado um trabalho fixo bem remunerado e que o pai melhorara de saúde, mas com uma vontade persistente de voltar como o filho para o Huambo, na esperança de que a guerra terminasse a todo o momento. Aliás, a filha, como já o disse, também tem essa intenção e espero bem que a possam concretizar para descanso de ambos, que bem o merecem pelas privações por que passaram .
Da ponte aérea só ficou a lembrança dos tempos passados no Huambo com todas as atribulações que narrei. Decerto esqueci propositadamente muitos pormenores relativos à ponte aérea e ao meu relacionamento com o Pai Machado, a Mãe Palmira ou com o meu inseparável amigo Carlos Ventura. Diga-se em abono da verdade que se alguns desses pormenores foram esquecidos propositadamente, outros houve que inadvertidamente os esqueci por lapso de memória, compreenda-se.
Paciência . . .

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