Bem vestido, óculos à John Lennon, sorridente e bem parecido, especado perante um quadro numa galeria de pintura bem iluminada e espaçosa, um homem de meia altura troca impressões com outro, moreno, careca, ar de quem não entende nada de nada, mas que tem dinheiro, atarracado e baixote. A este grupo junta-se um outro par que, saltitando pela galeria, ia distribuindo sorridentes cumprimentos a torto e a direito. Notava-se os acabados de chegar, um pelo seu farfalhudo bigode e olhar circunspecto, vestido de " jeans " e camisa esgargalada um pouco amarrotada, enquanto o outro, de cabelo exuberante e ar de quem sabe tudo, tentava dar-lhe explicações daquilo que não entendia, interrompendo-se pelos cumprimentos. Em todos eles um copo de bebida, que lhes fora servida à entrada era generalizado. Num dos presentes do primeiro grupo, segurado pela pontinha, um pastel de bacalhau Ia sendo trincado e saboreado, enquanto os olhos arregalados saltavam de um canto ao outro duma tela que, sem ter culpa nenhuma, lá ia servindo de motivo de conversa àquela unida trupe de quatro galifões .
Já imaginaram esta cena ? Pois bem. Imaginem o que cada um dizia aos outros. Nenhum deles conhecia o artista e a tela era a primeira vez que por eles era observada. Acabariam todos por cair no ridículo se se olhassem interiormente. Um quadro não pode ser observado só uma única vez para poder ser compreendido. Terá que ser deglutido calmamente e por várias vezes. Há que buscar as razões e os objectivos, que levaram o artista a concretizar a sua obra para além dos traços, cores e perspectivas nela inseridos. Observar um quadro é como a atitude que deve tomar um " adorador " de " Alta Culinária ". Não se pode nem se deve comer um peixe requintadamente cozinhado sem o acompanhar pelo menos ao sabor dos lábios com um vinho mesmo caseiro se possível, mas pleno de virtudes e transparência, que os virtuosos olhos o ultrapassem e dele fique o aroma delicado, que sempre o deverá acompanhar. Acima de tudo, quem comer esse peixe deverá ter a perfeita noção do seu tempero, ou seja, que alhos são alhos e poejos de peixe são poejos de peixe e não dos secos de carne. Isto é a Arte da Boa Mesa. Aquilo é a Arte do Espírito .
Agora imaginem um quadro onde as cores mais aliciantes contracenam com traços e sombreados perfeitamente desenhados. O motivo deixo à vossa escolha. Era exactamente o desígnio do seu autor. Nele encontra-se o objectivo visionado pelo artista, quando o cumpriu. É a sua realidade. É mesmo a sua Verdade. São traços simples e tonalidades leves, quentes e claras. Diríamos mesmo translúcidas. São espaços abertos pela coragem e pelo virtuosismo. São a exteriorização do que vai na mente do artista, porque a sua mente é alma. Viver é encarar com simplicidade os exemplos, que a Natureza nos oferece par e passo e encontrar neles a razão plena do nosso âmago. Viver é encontrar no quase tudo mau o pouco de bom que ainda pode restar, tirando dele o máximo de proveito e de alegria. Na pintura, viver é a busca permanente, que o artista procura entre o melhor e o óptimo de forma a conseguir a sua própria realização interior. Esta é a Arte de Viver. É também e finalmente a minha maneira de me sensibilizar ao longo dos dias que correm e eu com eles .
Lisboa, 1989
( Texto apresentado com um convite numa exposição de pintura inaugurada em 14 de Outubro de 1989 realizada na " APTCA - ESPAÇO ARTE ", onde estiveram presentes ARTUR BUAL, HELENA SAN PAYO, JOÃO MÁRIO, JOSÉ VIANA, MARIA ANTONIA MACHADO. MARIO SILVA, MARTINS CORREIA e SALVAÇÃO BARRETO e que mereceu criticas muito elogiosas tanto dos pintores representados como de muitos visitantes )
Sem comentários:
Enviar um comentário