SEJAM BEM VINDOS A ESTE BLOG

Nota Prévia :

Este Blog destina-se exclusivamente à divulgação de trabalhos escritos por mim para meu prazer e daqueles que eventualmente estivessem interessados na sua leitura.

Felizmente, foram muitos os que se me dirigiram a pedir que divulgasse alguns dos meus trabalhos, especialmente os que mais me marcaram ao longo da minha vida, daí ter feito uma escolha selectiva de entre todos eles, muitos ficando de fora, naturalmente .

Foi por esse motivo que surgiu este Blog .

Muitos desses trabalhos já haviam sido publicados em periódicos e revistas da especialidade e não só, muitos deles além fronteiras ( EUA e BRASIL ), e alguns chegaram mesmo a ser galardoados em Concursos de Contos e Poesias e diversos Jogos Florais .

À medida em que forem inseridos neste Blog, tentarei informar quais os já anteriormente publicados, onde e quando e se tiverem sido galardoados, quais os prémios que lhes foram atribuidos e quais as Organizações envolvidas .

Espero que a memória não me falhe e os meus apontamentos não estejam incompletos.

Ericeira, 20 de Janeiro de 2011

Carlos Jorge Ivo da Silva

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

TRIOLOGIA DA LIBERTAÇÃO - I ( A LAWRENCE DURRELL )

O PRESO

O dia fugia-lhe através das frestas das janelas gradeadas. Era um preso como tantos outros, que por ali viam e ouviam, e só, o que se passava dentro da prisão. Para ele os dias simples haviam acabado .
Que havia feito para ali estar acorrentado ? E os outros ?
Cada um cometeu um erro . . . Força do destino . . . e o preso pensava :
" Que semelhança haverá em cada um de nós . . . em cada coisa que fizemos, para merecer o mesmo castigo . . . degredo ? . . . E lá fora ninguém houve os nossos gemidos . . . os nossos ais . . . Ninguém se lembra das nossas mulheres . . . dos nossos filhos . . . Que pensarão eles de nós, os que aqui estamos ? . . . E nós deles ? . . . É certo que nunca me lembrei disso, senão agora . . . Isso é verdade . . . Ninguém nos diz nada . . . Será que ainda vivem ? Nada sabemos . . . a não ser que estamos aqui,
acompanhados das paredes, das grades e do pouco mais que nos puseram . . . e ainda nos resta . . . "
E a vida não sorria para o preso. O ódio torturava-lhe o pensamento. Sentia o efeito do tempo, que há muito deixara de contar. Para ele já os dias tinham desaparecido. Quantos ? Não sabia. A razão, não lhe faltaria já ? E o preso falava com as grades, com o tosco banco e a suja enxovia da masmorra, em que havia muito tinha sido encarcerado. Falava até com a caneca da água ou a malga de comida deslavada, suculentada com o liquido sabujo da sopa . . . e o preso gemia encostado às grades de ferro, que o não deixavam transpor os sessenta passos, que o separavam da vida. Sentia-se inválido. Fora ele válido alguma vez ? . . . Um morto, em suma, já descarnado, sem sentimentos de orgulho, de honra ou de pudor, e as vestes . . . que vestes essas . . . quasi totalmente arrancadas pelo delírio, perdiam-se esfarrapadas entre os enormes buracos, e o preso continuava a pensar :
" . . . Os dias são para mim noites . . . come se elas existissem . . . e se existem, passam já sem eu dar por isso . . . Quantos anos, meses, dias, horas . . . minutos ou segundos já aqui passei ? Porquê ? . . . Porque me tiraram tudo o que tinha, até aquela corda que me servia de cinto ? . . . Por
quê ? . . . Porquê ? . . . Que direitos têm os homens de julgar uma coisa, de que só Deus tem esse direito ? Quanto tempo hei-de passar ainda, antes que me levem para a vala ? É o último reduto que me resta para me libertar destes malditos seres injusticeiros. Ah ! . . . Isso é ! . . . Que terei feito para que me matassem, deixando-me vivo, aos olhos da família ? . . . Já não te consegues mexer, pé ? . . . E tu, mão ? . . . Quantas vezes acariciaste cheia de rancor estas grades tuas companheiras ? . . . Quantas vezes bateste com os punhos ensanguentados nas paredes a demonstrar a tua revolta ? . . . Quantas ? . . . Dizei lá ! . . . Quantas ? . . . Quantas vezes notaste a ferrugem e a falta de tinta que as cobre ? . . . Já as águas que correm pelas imundas paredes te não são estranhas, lábios meus . . . Quantas vezes as sorveste para acalentar mais um ínfimo laivo de esperança ? . . . Fugir . . . Fugir . . . Fugir . . . Fugis, mas para onde ? . . . Para o meio desses inválidos . . . Talvez mais inválidos do que eu . . . Não ! . . . Não ! . . . Não vale a pena tanto trabalho para acabar por cair como eles sob o ódio de tantos infelizes como eu, que os vêem lá fora ainda mais presos do que eu . . . do que nós . . . arreigados a parvas idiotices, que lhes dirigem a vida como se fossem máquinas . . . E . . . não o serão,
porventura ? . . . Afinal ainda há tempo . . . Começo a acreditar que ainda me resta alguma coisa . . . o tempo . . . pois . . . o tempo para pensar . . . para pensar em algo que nem eu mesmo sei . . . "
E o preso continuava, assim, nestas cogitações, enquanto . . . . . . . . . . . . nas capas dos livros, que estavam em cima da mesa da secretária do Director da Penitenciária, envoltas por uma auréola de escárnio, se podiam ler estas palavras :
" . . . Livro dos condenados a prisão perpétua, por quererem viver na perpétua solidão . . . " . . . . . . . . .

Lisboa, 1967

( partes deste conto foram cortadas pela " Censura ", antes de ser publicado )
Em 1983 a Triologia foi publicada na integra nos EUA, no " Portuguese News " de New Bedford, tendo sido recebida imensa correspondência de louvor, após a sua publicação

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