SEJAM BEM VINDOS A ESTE BLOG

Nota Prévia :

Este Blog destina-se exclusivamente à divulgação de trabalhos escritos por mim para meu prazer e daqueles que eventualmente estivessem interessados na sua leitura.

Felizmente, foram muitos os que se me dirigiram a pedir que divulgasse alguns dos meus trabalhos, especialmente os que mais me marcaram ao longo da minha vida, daí ter feito uma escolha selectiva de entre todos eles, muitos ficando de fora, naturalmente .

Foi por esse motivo que surgiu este Blog .

Muitos desses trabalhos já haviam sido publicados em periódicos e revistas da especialidade e não só, muitos deles além fronteiras ( EUA e BRASIL ), e alguns chegaram mesmo a ser galardoados em Concursos de Contos e Poesias e diversos Jogos Florais .

À medida em que forem inseridos neste Blog, tentarei informar quais os já anteriormente publicados, onde e quando e se tiverem sido galardoados, quais os prémios que lhes foram atribuidos e quais as Organizações envolvidas .

Espero que a memória não me falhe e os meus apontamentos não estejam incompletos.

Ericeira, 20 de Janeiro de 2011

Carlos Jorge Ivo da Silva

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

TERRA AFRICANA ( ALGURES EM ANGOLA ) ( 2ª. PARTE )

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. . . Olhemos de novo e de relance a picada marginada de capim e pequenos arbustos . . .
À primeira vista, parece-nos um bocado de chão inculto, onde o capim não cresce nem qualquer outra erva daninha se vê desde que haja movimento. As viaturas passam numa correria desenfreada. Após a passagem da " Feira do Lucossa " ( Lucossa significava em dialecto Qicongo " o Lugar do Chefe " ) onde há sempre histórias para recordar --- A " Feira do Lucossa " não era mais do que um cruzamento, onde duas colunas militares se juntavam, a da Mamarrosa ( que incluía as da Magina e do Luvo ) e a da Canga ( que incluía por sua vez a do M'poso e ocasionalmente as do M'pala, Cabeço de Tope e Cabeço da Velha ), para seguirem juntas na direcção de S. Salvador, e esse nome devido ao barulho infernal, que ali se fazia sentir, mais dando a impressão de se tratar mais de uma feira do que outra coisa ---, pois era paragem obrigatória para se trocar impressões em dois dedos de conversa, segui-mos pelos restos imperceptíveis da Aldeia dos Dembos, deixando para trás os laranjais, os mangueiros bravos e a .vaga lembrança de que o Ser Humano habitara aquelas paragens, antes de " rebentar " a guerra de guerrilha. Através da picada a primeira viatura ia cautelosa --- era o " rebenta minas ", uma pesada GMC, que transportava só o condutor e muito material pesado para servir de lastro --- .
Atrás dela o pó levantava-se no ar. Tudo se tornava vermelho-amarelado. O nosso corpo tornava-se horrivelmente sujo, chegando ao ponto culminante de os nossos próprios camaradas nos não reconhecerem por completo. O lenço coral e preto, que usava para protecção da boca e do nariz, de pouco mais que nada me servia, compreendo-o .
Havia quem dissesse algumas vezes : " Eis as maravilhosas estatuas vivas de pó ", e tinha razão em o dizer . . . Era quase inacreditável o estado lastimoso em que nós ficávamos depois de uma viagem em picada . . .
Uma das viaturas parou . . . Pensei que fosse alguma avaria. A coluna paralisou-se. À frente fizeram-me sinal para descer rapidamente, pois dava a impressão de que tínhamos sido alvejados. Saltámos das viaturas com as armas prontas a disparar, e . . . os olhos tão abertos quanto possível. Em muitos corria algum suor frio . . . Isso era natural .
Adivinhava pelo desenrolar dos acontecimentos, que algo se tinha passado fora do normal, mas naquele momento em que parado fiquei num pequeno lugar de refúgio, tipo trincheira, mais não ouvi do que um ou outro motor de viatura, que o motorista inadvertidamente deixara a trabalhar, quando saiu apressadamente, dadas as circunstâncias .
Rastejando, resolvi-me a buscar um local mais seguro, porque encoberto, não viessem algumas balinhas estragar tão belo e anafado arranjo, pois chumbo quente nunca quis experimentar, fosse por prazer, azelhice ou casualidade, pese embora o caso de posteriormente isso me ter acontecido, mas sem gravidade de maior --- só um pequeno arranhão no braço esquerdo feito por uma bala de passagem --- .
Sobre o que se passava nada sabíamos . . . Decerto, alguém saberia e só esperávamos ordens. Volvidos alguns minutos de escuta permanente, que nos pareceram horas, lá nos foi feito sinal para voltar a subir para as viaturas, que se puseram em movimento. Alguns dos meus companheiros de viagem sugeriram ter havido alguns tiros de flagelação sobre a viatura da frente .
Estou no meu direito de dizer que nada vi ou ouvi do que quer que tivesse eventualmente acontecido. No entanto, tudo poderia ter sucedido, mas só o conseguiria saber à chegada a S. Salvador. Suponho que a " dúvida metódica " de Descartes deve ser sempre empregue, pelo menos nestas ocasiões especiais . . . e foi o que fiz .
. . . E lá continuamos através da esburacada picada ziguezagueando entre os morros . . .
Passados alguns quilómetros entrámos numa zona de savana e, lá longe, sobre ela, uma manada de elefantes seguia pacatamente na direcção de um pequeno morro que se lhes situava a menos de quinhentos metros. Um elefante negro com a estatura maior do que a dos outros foi o primeiro a chegar ao alto do cabeço e aí, junto a um embondeiro, esperou pelos restantes seus familiares da manada, fitando a coluna e abanando as orelhas, até que os restantes o alcançaram. Era o chefe da manada. Só se desviou totalmente da nossa vista, quando as fêmeas e as crias passaram para além do morro, refugiando-se na falda oposta, ficando por fim todos invisíveis aos nossos olhos atónitos e encantados com tal quadro paisagístico .
. . . E a coluna lá ia seguindo na picada . . .
Numa pequena mata próxima, uma gritaria infindável sobrepunha-se ao barulho da coluna em movimento. Eram macacos saltando entre os galhos das árvores naquela mata indefinida de árvores. Esse barulho chamou-nos, como é natural, a nossa atenção, como sempre nos chama uma situação curiosa. Alguém quis disparatadamente atirar sobre um deles, mas opus-me terminantemente a que o fizesse .
Ainda me lembro de ouvir contar que determinada fêmea fora morta havendo crias. As crias rodearam-na como se de seres humanos se tratasse, chorando a morte de sua mãe e os seus gritos fizeram imensa aflição a quem os presenciou. Ouvi-a contar a mim mesmo algum tempo antes, quando tinha ainda muito pouco tempo de presença na Mamarrosa e fui a uma caçada por necessidade pela primeira vez. Esta história ficou-me bem gravada na memória, não fora o caso de também não gostar de matar animais, a não ser por grande necessidade de alimentação, demais que era eu o responsável por esse serviço, como Oficial de Reabastecimentos do Batalhão em que estava incorporado .
Resta-me assinalar que não fui eu quem matou a mãe macaca, mas um subalterno, que logo foi repreendido pelo seu acto e cuja participação seguiu os seus trâmites legais, pois tal situação, dada a tristeza que senti e a revolta que me provocou, não era para ser deixada na obscuridade, demais que havia sido advertido antecipadamente para o não fazer e que se limitasse a admirar aquele quadro encantador .
Contudo, a falta de alimentos que bastas vezes se fazia sentir nos aquartelamentos levava-me a não ter outro remédio senão o de ir caçar, mas aí há uma plausível justificação para matar, por se tratar de uma luta pela sobrevivência .

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