SEJAM BEM VINDOS A ESTE BLOG

Nota Prévia :

Este Blog destina-se exclusivamente à divulgação de trabalhos escritos por mim para meu prazer e daqueles que eventualmente estivessem interessados na sua leitura.

Felizmente, foram muitos os que se me dirigiram a pedir que divulgasse alguns dos meus trabalhos, especialmente os que mais me marcaram ao longo da minha vida, daí ter feito uma escolha selectiva de entre todos eles, muitos ficando de fora, naturalmente .

Foi por esse motivo que surgiu este Blog .

Muitos desses trabalhos já haviam sido publicados em periódicos e revistas da especialidade e não só, muitos deles além fronteiras ( EUA e BRASIL ), e alguns chegaram mesmo a ser galardoados em Concursos de Contos e Poesias e diversos Jogos Florais .

À medida em que forem inseridos neste Blog, tentarei informar quais os já anteriormente publicados, onde e quando e se tiverem sido galardoados, quais os prémios que lhes foram atribuidos e quais as Organizações envolvidas .

Espero que a memória não me falhe e os meus apontamentos não estejam incompletos.

Ericeira, 20 de Janeiro de 2011

Carlos Jorge Ivo da Silva

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

A PONTE ( 2ª. PARTE )

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Entre pessoas a dormir no chão sobre a placa de cimento ou sobre improvisadas camas feitas com cobertores e montes de bagagens pessoais a servirem de almofadas --- os enxergues eram destinados prioritariamente aos doentes e às crianças sendo pequena a sua quantidade distribuída por não haver mais nem podermos mandá-los vir de onde quer que fosse --- peque-nos trilhos eram deixados entre as filas de enxergões para se poder passar de um lado para o outro do barracão ao qual duas pequenas portas --- uma frontal à outra --- davam acesso. Condições higiénicas eram quase nulas e as latrinas improvisadas no exterior do barracão --- nas traseiras, a uns vinte metros da cozinha de campanha --- fediam quanto podiam, deixando no ar um nauseabundo aroma tão pestilento quanto inacreditável. Banhos ou lavagens aí nem pensar. O que nos valia ao Grupo TAP era a possibilidade, quando a havia, de irmos ao Hotel Almirante tomar o nosso banho e refrescarmo-nos um pouco --- é certo que mais tarde alguns dos habitantes, que abandonavam as suas casas, nos entregaram as chaves das mesmas para irmos habitá-las, porque ficavam mais perto do aeródromo e onde havia um mínimo de condições de habitabilidade inexistente neste e na esperança de que elas não fossem invadidas pelos guerrilheiros dos diversos Movimentos para as ocuparem selvaticamente e para que não fossem assim destruídos os seus haveres imobiliários --- .
Quantas vezes não aparecia um " Cow-Boy " da FNLA ou da UNITA --- vestiam-se da mesma maneira sem qualquer distintivo, pois os únicos que o usavam naquela época eram os CHIPENDAS, tornando-se assim difícil distinguir a que Movimento pertenciam --- perdido de bêbedo e vociferando palavras desconexas com olhar esgazeado, carregando uma Breda sob um braço pronto a disparar sobre as pessoas indefesas, na maioria mulheres e crianças --- Breda, sim, pois não se contentavam com pequenas armas automáticas tipo G3 ou FN apanhadas às tropas portuguesas nem às do tipo KALATCHI, provenientes da China e da União Soviética, diferentes das Checoslovacas pela existência de um pequeno punhal que servia de baioneta ---. Esperava Unicamente um motivo suficientemente forte, que o levasse a carregar no gatilho e lhe proporcionasse demonstrar pela lei do mais forte, mas não pela razão, que ali quem mandava era ele e mais ninguém .
Só o bom senso apaziguava as situações delicadas com esta, mas lá íamos fazendo o nosso trabalho à custa de muito esforço, de muitas dores de cabeça e de uma inquebrantável força de vontade anímica que nos assistia e que nunca foi reconhecida pelas autoridades empregadoras ( TAP ) ou pelo governo Português, de certa forma responsável por aquela agonia .
Após alguns dias esporadicamente passados no Hotel Almirante, pois eram muitas as vezes que não podíamos lá ir, algumas das pessoas que partiam deixavam-nos as chaves dos seus carros para que os utilizássemos enquanto lá estivéssemos --- e haviam-nos de óptimas marcas ---, dando-nos instruções para os destruirmos se ou quando não precisássemos mais deles. Por exemplo, o " meu " Citröen " boca de sapo " branco lá ficou sem chave de ignição, sem altifalantes nem rádio, que os trouxe para o proprietário, e sem pinga de gasolina em frente ao barracão onde fazíamos check-in, cumprindo ordens expressas pelo seu dono. Voltando ao Huambo alguns anos depois, fui encontrá-lo exactamente no sitio onde o deixei mas completamente destruído pelo fogo. Houve, porém, quem estampasse propositadamente o " seu " automóvel, cumprindo os desejos de quem não pensava mais ali voltar e para que ninguém o pudesse mais utilizar .
Entretanto, outros colegas vindos de Lisboa vieram engrossar o grupo, chegando a ter quinze elementos distribuídos pelas várias casas da cidade, que entretanto nos iam deixando à nossa guarda enquanto ali estivéssemos .
O ambiente era sempre escaldante, mais pelo resto do que pelo calor, que a esse já estávamos habituados, e foi sob esse clima escaldante, que conheci um casal de namorados : a Teresa e o Gil. Ela, professora na Escola Comercial e Industrial do Huambo, com cerca de vinte anos de idade, e ele, músico profissional, um pianista excelente, rondaria pelos vinte e três ou vinte e quatro anos de idade. Era um casal bem talhado, com uma excelente cultura geral e vastos conhecimentos da sua terra. Ela branca e ele mulato claro, ambos de óptimas famílias, que ainda consegui conhecer e com quem convivi durante mais de um mês antes de virem para Lisboa, à excepção da mãe do Gil, que a UNITA fez sucumbir sob a sua violência gratuita, tendo sido brutalmente assassinada na ausência do filho, que entretanto se encontrava em Luanda, quando tentava defender o marido .
Após esse terrível revês o pai veio para Lisboa logo de seguida, ficando o Gil a tratar de embarcar todas as suas coisas. Mal chegou a Lisboa o pai foi hospitalizado com problemas do foro psíquico, mas segundo já se sabia teria voltado para casa de um familiar onde ficara recolhido com uma das irmãs do Gil, que ainda era solteira como ele, embora fosse a mais velha. Duas outras irmãs estavam casadas na África do Sul, enquanto uma quarta se encontrava em Luanda também casada .
Os pais da Teresa vieram ao mesmo tempo que o pai do Gil e passado um mês da sua vinda ainda nada se sabia sobre eles, pois não tinham recebido até então quaisquer noticias, porque não havia movimento de correspondência entre a cidade do Huambo e o exterior. O único contacto que havia era através dos aviões , que faziam a Ponte Aérea .
A Teresa ficara no Huambo só por causa do Gil, que se debatia com imensos problemas e precisava da máxima ajuda possível naquela hora mais apertada da sua vida .
Viviam ambas as famílias na Granja, na parte baixa da Cidade, perto da Livraria Nova York, umas das melhores livrarias que conheci quanto a instalações, mas que quase nada continha por falta de abastecimentos, o que aliás era apanágio de todas as lojas e armazéns naquela cidade e naquela época .
As casas que habitavam deveriam outrora ter usufruído de todos os encantos e de todo o bem-estar, pois até piscinas privadas se podiam ver anexas em belos quintais ainda repletos de esplendorosas flores e palmeiras de leque entre outras plantas exóticas tropicais, que lhes davam um encanto muito especial, apesar do contraste existente entre a harmonia colorida das flores e a desarmonia insensata dos homens .
Sob pequenas arcadas tipo colonial existentes nos varandins dos primeiros andares das moradias encontravam-se ainda em óptimo estado cadeiras de baloiço, que me serviram durante alguns poucos momentos para descansar enquanto conversava com esses dois amigos, refazendo-me do cansaço obtido com os meus afazeres profissionais .
Dali via-se uma cidade desertificada, uma cidade fantasma, levemente acordada por uma ou outra viatura militar, que de tempos a tempos traçava uma linha imaginária numa determinada direcção fixa sem se deter .
Nas ruas só os cães ou gatos deixados " ao Deus dará " pelos seus donos podiam fazer ouvir as suas lamentações, os seus fraquíssimos latidos ou os seus tristes e famintos miaus. Raramente se via seres humanos nas ruas da cidade, talvez até porque a maioria deles já tivesse debandado e parte se encontrasse no aeródromo à espera de transporte e, até mesmo os militares dos " Movimentos ", fosse qual fosse a facção, não palmilhavam a cidade senão pelo fim da tarde --- já que serviço era serviço ---, pois ao " luscofusco " sempre era mais difícil que algum atirador furtivo os alvejasse por falta de visibilidade .
Convivi com o Gil e a Teresa, como já o disse, cerca de um mês, até que depois de tudo tratado puderam embarcar, embora tivessem que esperar a sua vez cerca de uma semana.
As listas de passageiros eram-nos fornecidas pelo IASA e pelo IARNE e eram seguidas " à risca ", a fim de que não houvesse situações anómalas, que pudessem criar problemas e conflitos inter-pessoais. O fluxo de passageiros era totalmente controlado por aqueles organismos, que funcionavam sob a égide das Nações Unidas e da Cruz Vermelha Internacional e se o ambiente era escaldante, podê-lo-ia ser muito mais se houvesse alguma deturpação nas listas de passageiros, o que era evidente, pois toda a gente tinha os nervos à flor da pele, o que era perfeitamente compreensível devido ao momento verdadeiramente rocambolesco, que ali se vivia. Não quero dizer que não tivesse havido " alterações de última hora " aos programas, mas não cabe qualquer responsabilidade ao grupo TAP por qualquer dessas trapalhadas, que pudesse ter havido --- e sabíamos que isso aconteceu ou pelo menos falava-se nisso na altura, mas sem nunca terem sido apresentados nomes de culpados --- pois o controle era totalmente feito por essas organizações e só aceitávamos os passageiros, que elas nos mandavam e constantes das listas previamente preparadas por elas sem rasuras, as quais nos eram entregues sempre que chegava um avião. Só tínhamos que informar essas organizações das capacidades existentes em cada avião, quanto a passageiros .
Tudo o que dizia respeito a controle de nomes de passageiros era com aquelas organizações, felizmente para nós. Só cabia ao grupo TAP o controle numérico de passageiros e das suas bagagens e nada mais, embora nos tivéssemos metido em acções humanitárias apoiando a Cruz Vermelha Angolana e as organizações humanitárias já referenciadas, como era o caso de distribuição de alimentos especialmente às crianças, sempre que julgávamos oportuno e conveniente, desde que essas acções não pusessem em perigo o nosso objectivo principal, que era o de fazer transportar o maior número de pessoas no mais curto lapso de tempo, pois era para isso que nós lá estava-mos .
A Teresa e o Gil faziam projectos quanto ao futuro e apesar de todas as contrariedades era engraçado ouvi-los conversar sobre o que fariam quando chegassem a Lisboa. Porém, era-me muito difícil transmitir-lhes a minha visão do estado caótico a que chegara a vida na capital portuguesa, por força da revolução em curso .
Momentos mais que obscuros toldavam os céus de Portugal e a Revolução havida deixara o país num estado lastimoso e lamentável, quanto a empregos, saúde, alimentação, habitação, etc. . . . etc. . . . , económica e financeiramente nem se falava, pois era uma situação passível de ser colocada na " rua das amarguras ", tudo isto aquecido pelo aumento caudaloso das pessoas que iam das ex-colónias em número de muitos milhares .
Continuávamos no país a atravessar uma situação post-revolucionária com todos os problemas a ela inerentes, especialmente o da confusão social que se instalou no país devido à luta de classes menos favorecidas pelos diversos tipos de direitos, que entretanto foram disseminados adentro das fronteiras sem qualquer noção de ordem ou mesmo de obrigações inerentes, transformando tudo numa lamentável balbúrdia. Enfim, uma lástima completa. Politicamente agudizava-se o país extremando-se posições através da bipolarização ideológica partidária. Estávamos em pleno " Verão quente " de 75, como ficou conhecido aquele período histórico onde todos mandavam e ninguém mandava realmente, nem mesmo o Primeiro Ministro de então, Vasco Gonçalves .
Mas os meus amigos não queriam acreditar que o estado do país fosse tão mau como eu lhes dizia e faziam e refaziam os seus projectos pedindo-me conselhos, que não estavam de forma alguma ao meu alcance fornecer-lhes por falta de habilitação. Porém, ia fazendo o que podia por aqueles novos amigos, encorajando-os, enquanto me encorajavam a mim a fazer o meu trabalho numa relação de amizade crescente .
Por vezes à noite juntávamo-nos no Hotel Almirante onde descansávamos um pouco, enquanto não havia aviões --- o que era raro --- ou eu não entrava no meu turno de serviço. Era preciso estar sempre alguém em situação de alerta no aeródromo, não fosse aterrar algum avião, pois as comunicações eram demasiado deficientes e só o saberíamos se lá estivesse alguém. De certa forma, ainda tínhamos sorte, pois a linha de comunicação existente entre o aeródromo e o Hotel ainda funcionava, o que não acontecia com a rede geral interurbana. A Torre de Controle onde permanecia quase vinte e quatro horas por dia o meu amigo Xavier era o nosso centro de comunicações, pois era ele que nos dava as informações de chegada dos aviões, por conseguir contactá-los através da fonia alguns momentos antes da sua aterragem, dando-nos tão rápido quanto lhe era possível a informação da hora de chegada desses aviões. Máquinas de telex haviam-nas e bastantes, mas não serviam para nada pois não funcionavam. Eram assim substituídas pelo Xavier, que num esforço sobre-humano mantinha em funcionamento uma sala de comunicações onde nada funcionava a não ser uns altifalantes em péssimo estado e um pequeno microfone e ainda por cima a trabalhar sozinho .
No bar do Hotel Almirante juntávamo-nos com outros convivas e cantava-mos uns fados para animar o pessoal e a mim próprio, fazendo-nos esquecer por momentos aquele mórbido ambiente em que nos encontrávamos .
Alguns elementos da UNITA e da FNLA, que ali viviam e pertenciam aos quadros superiores dos Movimentos, várias vezes nos acompanharam nessas cantilenas, tendo sido criado entre eles e nós um clima minimamente agradável, o que para mim e para o resto do Grupo TAP foi de grande utilidade enquanto estivemos no Huambo, pois reconhecendo o nosso trabalho como sendo profundamente humanitário tudo faziam para que não fôssemos hostilizados pelos guerrilheiros nem que estes hostilizassem os próprios passageiros, que estavam no aeródromo à espera de partir para Lisboa .
Ainda hoje acho curioso o facto de muitos deles cantarem canções de Rui Mingas, o qual era já nessa altura um elemento célebre do MPLA, Movimento antagónico aos dos que ali se encontravam. Rui Mingas é hoje Embaixador da República Popular de Angola em Portugal, mas eu nunca falei sobre essa curiosidade com ninguém enquanto lá estive, por achar que me poderia dar mal com a conversa, como seria natural, dado ser sempre pouca toda a cautela e prevenção em casos semelhantes .
O Gil era um animador nato e não era só o piano que ele tocava divinalmente. A viola e o órgão electrónico contavam-se entre os instrumentos, que ele sabia manejar com maior destreza para gáudio dos que o podiam ouvir tocar e com ele deliciar-se. A sua sensibilidade era extraordinária. Dava um prazer imenso ouvi-lo dedilhar a viola assim como ouvi-lo num trecho clássico tocado ao piano ou com o órgão. Gostava imenso de fazer experiências com os instrumentos, o que dava grande alegria a quem o ouvisse tocar, mesmo por brincadeira. Havia além disso sempre uma frase hilariante na ponta dos seus lábios a responder a qualquer interjeição caprichosa de um ouvinte fosse ele quem fosse e de que sexo fosse, acompanhando essa frase com alegres e extrovertidas momices. Ninguém lhe levava a mal, porque desnecessário, mesmo que essa frase levasse consigo um pouco de rebeldia ou de piri-piri. Nunca se escusava quando lhe pedíamos para tocar determinado trecho, acompanhando sempre a acção com um sorriso nos lábios e uma frase delicada. Um dos trechos, que melhor tocava em viola, era o Concerto de Aranjuez, se bem me recordo. Foi efectivamente dos melhores artistas natos que conheci em toda a minha vida. Mesmo durante o dia a dia sobressaia nele a sua faceta artística. Gostava muito de conversar com o seu modo alegre e muito peculiar e as suas conversas iam quase sempre finalizar senão à música pelo menos a temas referidos à etnografia dos povos Angolanos, áreas em que ele se sentia mais à-vontade para falar. Era sem dúvida um dos seus assuntos preferidos. A Teresa não era espectadora passiva, pois intervinha frequentemente nas conversas, quando e especialmente se tratava desses assuntos. Muito aprendi com eles nessa época, referenciando particularmente o povo Bailundo, sobre o qual muitas horas passou em buscas nas Bibliotecas da Escola Comercial e Industrial e do Liceu do Huambo e na Delegação do SNI ( Secretariado Nacional de Informação ) de Luanda, preparando um trabalho que, segundo creio, nunca chegou a publicar por os manuscritos se terem extraviado durante a sua vinda para Lisboa, o que lastimo imenso, pois cheguei a vê-los e a ler alguns trechos escritos numa linguagem simples mas arrebatadora .
A Teresa ajudara-o muito nessas investigações sempre que tinha algum período de lazer ou quando os seus familiares se encontravam em férias mas não iam a Luanda ou não vinham a Lisboa, permanecendo no Huambo, o que faziam quase todos os anos. Ela chegou a dizer-me que tinha abdicado muitas vezes desses passeios para poder ajudar o Gil nas suas investigações, havendo-se correspondido até com especialistas portugueses e estrangeiros nessa matéria durante os dois últimos anos da sua estadia no Huambo, mostrando-me alguma correspondência de personalidades bem conhecidas da cultura portuguesa, cartas essas dignas de serem levadas ao prelo, dando-se assim a conhecer aos vindouros o seu conteúdo cheio de interesse etnográfico. Infelizmente tudo se perdeu, porque a mala onde vinham esses documentos extraviou-se de tal maneira que nunca mais foi encontrada. Sabe-se que à chegada dos aviões a Lisboa muitas coisas desapareceram. Quem foi que as roubou ? É uma incógnita que nunca terá resposta e fará parte, decerto, do
rol de crimes perfeitos, porque se desconhecem os seus autores para todo o sempre .
Porque as famílias já se tinham vindo embora para Lisboa ou para Luanda, dois novos elementos juntaram-se a nós, passando a encontrarmo-nos com muita frequência, tendo formado um grupo onde a amizade se cimentou a partir da mútua necessidade de convivência e do mútuo equilíbrio de ideias, que apontavam objectivos comuns : O Pai Machado --- cujos filhos eram meus amigos de infância, quando estudaram em Mafra --- e o Carlos Ventura. O Carlos tem a minha idade e é casado com a Zita e pai de uma menina chamada Sandra, que naquela época tinha cinco anitos. O Pai Machado, hoje já falecido, ultrapassava os sessenta e muitos anos e era casado com a Mãe Palmira, excelente senhora e óptima cozinheira e doceira --- estou a lembrar-me de uma célebre Muambada de Galinha acompanhada de Funge e de um caril de peixe espantoso, que comi em casa deles, quando voltei ao Huambo em 1983 em visita particular, a convite do Comissário Geral da Policia de Luanda, senhor Azevedo Costa. Como doceira era ela espantosa também, como disse, e era conhecida mesmo em Luanda a sua " Jinguba doce ", que fabricava e exportava para vários lados incluindo Lisboa, que fazia a partir do amendoim ( jinguba ), dando-lhe a aparência de " amêndoa torrada ", mas não o sabor, que só ela lhe sabia dar através dos seus segredos profissionais --- .
Tal como o Gil e a Teresa estes dois elementos eram ambos óptimos convivas e bons faladores e sempre predispostos a ajudar nas alturas em que era mais preciso, sem esperar qualquer espécie de recompensa, tornando-se amigos verdadeiros. A eles lhes agradeço tudo o que fizeram a meu favor e do Grupo, mesmo tendo-o feito na maior parte das vezes despercebidamente, ou antes, sem darem nas vistas. Sentia-se, isso sim, os efeitos da sua actuação ao vermos determinados problemas resolvidos, que só o poderiam ser por pessoas profundamente conhecedoras de todos os " cantinhos " da cidade, o que não era o meu caso, num jogo ainda possível de influências. A única contrapartida que sabiam poder esperar era a que efectivamente recebiam, ou seja, uma franca amizade, que a pouco e pouco se foi tornando cada vez mais profunda, cujos laços ficaram cimentados para sempre, transformando este pequeno grupo de cinco amigos numa verdadeira família .
Ainda hoje, quando falo com o Carlos Ventura sobre esses tempos passados, nos vêm as mais gratas recordações, rindo de situações, que nessa altura não eram de forma nenhuma para rir mas sim para recear e muito pelas nossas vidas em risco constante .
Entretanto, a Teresa e o Gil lá iam fazendo os seus projectos e eu com o coração apertado sem saber como os levar à razão sem os magoar ainda mais do que eles estavam pela sequência rápida dos acontecimentos. Ninguém me podia ajudar nesses momentos tristes. Sabia bem quais os problemas que eles iriam enfrentar quando chegassem a Lisboa e não via humanamente quaisquer possibilidades de resolução. Não sabia como demovê-los de algumas das suas intenções perfeitamente utópicas. Só esperava que sucedesse um milagre àqueles dois bons amigos e isso não era de forma nenhuma provável. A Teresa acompanhava-nos como se fosse a sombra do Gil e assim fomos vivendo --- e eu com aquela agonia --- até ao dia da sua partida. Só falei com o Carlos Ventura e com o Pai Machado sobre o assunto depois do avião ter levantado voo rumo a Portugal e deram-me razão por inteiro apaziguando as minhas preocupações, mas sem que o meu espírito se tranquilizasse completamente, por saber o destino que os esperava .

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