SEJAM BEM VINDOS A ESTE BLOG

Nota Prévia :

Este Blog destina-se exclusivamente à divulgação de trabalhos escritos por mim para meu prazer e daqueles que eventualmente estivessem interessados na sua leitura.

Felizmente, foram muitos os que se me dirigiram a pedir que divulgasse alguns dos meus trabalhos, especialmente os que mais me marcaram ao longo da minha vida, daí ter feito uma escolha selectiva de entre todos eles, muitos ficando de fora, naturalmente .

Foi por esse motivo que surgiu este Blog .

Muitos desses trabalhos já haviam sido publicados em periódicos e revistas da especialidade e não só, muitos deles além fronteiras ( EUA e BRASIL ), e alguns chegaram mesmo a ser galardoados em Concursos de Contos e Poesias e diversos Jogos Florais .

À medida em que forem inseridos neste Blog, tentarei informar quais os já anteriormente publicados, onde e quando e se tiverem sido galardoados, quais os prémios que lhes foram atribuidos e quais as Organizações envolvidas .

Espero que a memória não me falhe e os meus apontamentos não estejam incompletos.

Ericeira, 20 de Janeiro de 2011

Carlos Jorge Ivo da Silva

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

NOVA ERA

Os sonhos meus que o tempo vai gastando
Num passar de anos, louca correria
Como se fosse na cidade fria
Que acontecesse o “ Como “ e o “ Até quando “

Quente na alma, o corpo tiritando
De intenso frio, que nada aqueceria
Só um louco como eu conseguiria
Calcorrear a vida murmurando :

Deixem-me em paz, ó gente de má fé
Que a vida não se fez na raridade
Pois no nascer s’encontra a podridão

De que é feita toda esta ralé
Que nos consome a nossa liberdade
Forte apanágio de revolução

Ericeira, 3 de Fevereiro de 2011 ( 13H00 )
( Publicado in " O ERICEIRA " de 10 de Fevereiro de 2011 )
( Publicado in " O ERICEIRA " de 10 de Abril de 2011 )

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

2ª. CARTA ABERTA AO POVO DA MINHA TERRA


Queridos Conterrâneos

Esta é a segunda vez que escrevo uma “ Carta Aberta “ ao povo da Vila que me viu nascer, Mafra, embora eu viva desde há dois anos a esta parte na formosa Vila da Ericeira, por razões familiares e de saúde .
Aquando da primeira vez que escrevi uma “ Carta Aberta aos meus conterrâneos de Mafra “, foi aquela uma chamada de atenção para que se não apagasse a memória vivida dos tempos passados na minha meninice e já lá vão uns trinta anos bem medidos, quando a escrevi .
Hoje, “ fia mais fino “, pois tratará de assuntos que me revoltam e me fazem sentir muito mal e … lá diz o povo : “ quem não se sente, não é filho de boa gente “... Escolhi seis temas de entre todas as minhas preocupações, os quais aqui vão de seguida para vossa apreciação e entendimento .
Desde há alguns anos, parece, tem havido todo um movimento, aparentemente exercido na clandestinidade, no sentido do esvaziamento cultural da vila de Mafra e seus termos. Os autores materiais ? Alguns são sobejamente conhecidos, porque dão a cara, muitas vezes sem saber bem porquê … mas … quem está por detrás destas tentativas de “ MAQUILHAGEM “ artificial  e que não corresponde de forma nenhuma a um estado evolucionista natural ? Não me venham com as histórias da Opus Dei e da Maçonaria, pois a trata-se neste caso de pura ganância de encher os bolsos e nada mais … Quem ?
Isto, gostaria eu de saber, assim como gostaria de saber também por que razão foram aparecer no Palácio de Sintra, em Queluz e na Ajuda, artefactos que foram pertença do Palácio Nacional de Mafra e desde pequeno aí me habituei a vê-los, tal o caso de um Pagode Chinês feito em miolo de figueira, que apareceu em Sintra e eu o tinha visto desde criança em Mafra, assim como quadros pintados por D. Carlos que voltei a ver no Palácio da Ajuda --- e não levaram as pinturas de pássaros das paredes do Palácio de Mafra, porque se calhar era chato e dava demais nas vistas rebentar com as ditas … Dir-me-ão : “ Isto são outros 25 tostões “. Estou de acordo, pois não devemos misturar politica nacional já de si tão mal tratada com mexeriquices caseiras de revolver os estômagos menos sensíveis … porque os mais sensíveis já deram o que tinham a dar sem qualquer proveito. Dir-me-ão : " Eles é que mandam e, por isso, fazem o que querem ... " .
Este é um dos exemplos a que me refiro, mas há muitos mais ... Já para não falar de peças que foram oferecidas a “ Personalidades “ estrangeiras nos anos 80-90 e que faziam parte do património Mafrense ( e não só ).
Com que direito o fizeram ??? A culpa morre sempre solteira em Portugal, não é verdade meus amigos ? Aqui as coisas acontecem e ninguém é culpado de nada … Porquê a caducidade de Processos crime ? A quem serve esta situação ?
Vejamos, então os temas por mim seleccionados :

1º. --- Por volta dos anos 80 do século passado, surgiu o nome de “ REGIÃO OESTE “, em vez de “ REGIÃO SALOIA “ ( área mais ou menos rectangular com os seus vértices a norte na Nazaré e Distrito de Santarém e a sul em Cascais e Alenquer --- também houve muito boa gente que quis acrescentar os Concelhos de Almada e Seixal a esta REGIÃO SALOIA ( ??? ) --- . Não sei com que proveito ou intuito. Talvez porque havia muitos saloios que trabalhavam nesses Concelhos e aí viviam, especialmente na Amora … dos quais o Prof. Dr. Agostinho da Silva terá sido um dos seus mais notáveis representantes, por aí ter nascido, apesar de ter exercido grande parte da sua vida profissional no Brasil. E a Regionalização ??? Os mesmos que estavam contra a sua implementação são hoje os seus grandes defensores. A troco de quê ??? Por vezes, o povo tem memória curta … Eu não, felizmente … e da politica suja já eu estou farto .
A “ TERRA SALOIA “ sempre foi desta forma conhecida, tal como nos legou Amorim Girão na sua “ GEOGRAFIA DE PORTUGAL “, ao denominá-la assim, tal como “ O Reino da Carapuça e do burro “ ... ( GEOGRAFIA DE PORTUGAL, Portucalense Editora, Porto, 1960, pp 406 ) .
Porquê mudar o nome para REGIÃO OESTE, se o termo " REGIÃO SALOIA " sempre foi um termo consensual ? Para abranger zonas mais ricas ou será que há Saloios que gostariam de o não ser e tudo fizeram para apagar o nome culturalmente reconhecido, desde o século XIV, nas narrações da “ HISTÓRIA GERAL DE ESPANHA DE 1344 “ de Afonso X, o Sábio, estudadas por Levi Provençal e mais tarde pelo Prof. DR. Lindley Cintra?  Muitas perguntas para tão poucas ou nenhumas respostas. Tiramos daqui elações, lá isso tiramos ...
Não sei se é verdade, mas parece que há alguns anos atrás na Câmara Municipal de Torres Vedras reunida em plenário, alguém terá proposto que Torres Vedras não fosse considerada Saloia, mas não terá passado só dessa proposta sem quaisquer efeitos práticos nem acentos em acta, por desnecessários, tal era a parvoíce da proposta. Quem tiver conhecimento deste assunto, agradecia me informasse detalhadamente, através do meu E-mail ( carlosivo@sapo.pt ), a fim de poder ser cabalmente esclarecido e não ficar restos de dúvida pairando no ar. São importantes as referências a nomes das pessoas em questão, naturalmente. Estou-me “ nas tintas “ para aqueles que dizem : “ Isso não é ético … “, pois por não se falar abertamente nos nomes dos que nos tramaram, nos tramam ou nos querem tramar, é que a situação económica-politica deste país está como está … e só agora é que o jogo vai abrindo devagarinho … e lá vão surgindo Processos Judiciais em cima de outros Processos porque os nomes se vão conhecendo e sendo publicitados, o que deveria ter sido feito desde há muitos anos a esta parte, mas a culpa … lá vai morrendo solteira nos muros deste jardim à beira mar plantado … e até quando ??? … e a Procissão ainda vai no adro …

2º. --- Por essa mesma década e durante mais de vinte anos que se seguiram houve a tentativa de transformar Mafra num dormitório de Lisboa, que só conseguiu ser parcialmente concretizada através da construção da auto-estrada ( ??? ) Malveira – Ericeira ( estamos a pagar por circular numa auto-estrada, quando na verdade não passa de uma via rápida e lá continuamos nós a comer “ gato por lebre “. Paga Zé Povinho. É para isso que existes. Em boa hora Bordalo Pinheiro o inventou e lhe deu vida ) .
Além disso, permanece viva uma ( felizmente ) inconsequente movimentação no sentido de transformar a velhíssima História de Mafra ( VILA ) numa história recente de uma qualquer cidade, só pela “ importância “ de se ser cidade. Tenham juízo. Ninguém ou nada nasce importante. A importância de alguma coisa ou pessoa é aquela que os outros lhe atribuem e não mais do que isso. Prefiro, e tal como eu muitos dos meus conterrâneos, ter uma Vila com muitíssimos séculos de História, que muito nos orgulha, a uma Cidade cheia de coisa nenhuma, senão de cimento armado ( o vulgo chama-lhe hoje betão … Deve ser para disfarçar … os rendimentos, claro …) .
Quanto a Mafra a sua importância advém de longa data, reconhecida pela Carta de Doação de D. Sancho I a D. Nicolau, Bispo de Silves, e do seu Primeiro Foral, ambos os documentos datados da Era da Encarnação de 1227, ou seja do ano de Cristo de 1189 ( ou mês de Março do ano Civil de 1190 ( ? ) .
Se Mafra não tivesse importância, porque razão haveria um Foral que a contemplasse, ou antes disso, uma Carta de Doação Real a D. Nicolau, Bispo de Silves, que fora Cónego Regrante do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, Confessor de Sua Majestade D. Sancho I e seu acompanhante na conquista de Silves ?
É, no entanto, verdade que passado justamente um ano, após a reconquista de Silves pelos Árabes, ficou vago o senhorio de Mafra, sendo entregue em 1193 o seu CASTELO e seus termos povoados por Moçárabes e berberes por D. Sancho I a Gonçalo Viegas, mestre da Ordem de Évora fundada por D. Afonso Henriques e dependente da Ordem de Calatrava ( a partir de 1211 chamada de Avis ), em cuja posse se conservou até à sua ruína ( JOSÉ EDUARDO MEDEIROS in “ O PRIMEIRO FORAL DA VILA DE MAFRA “, CEPTRO – 1989/1991 --, SANTOS FERREIRA in “ O MONUMENTO DE MAFRA “, 2ª. parte, Lisboa, 1906 e ESTÁCIO DA VEIGA in “ ANTIGUIDADES DE MAFRA “, Lisboa, 1879). Esta doação foi confirmada por D. Afonso II em 1218 ao Mestre D. Fernando, da mesma Ordem de Évora .
Se Mafra fosse uma Vila sem importância, porque razão Duarte Nunes de Leão, na Crónica de Afonso Henriques” incluída na “ Monarchia Luzitana “ de Frei Bernardo de Brito, teria inserido a seguinte frase : “ Mafra ( Mafora ) e seus termos foi conquistada aos Árabes por D. Afonso Henriques em 1147 “ ( ou 1146 ? Há autores que referem esta data e não a outra ) ( Também referenciada a mesma frase na “ CRÓNICA DE D. AFONSO HENRIQUES “ de Duarte Galvão  meados do século XV, possivelmente baseada nos estudos de Fernão Lopes, no dizer do Prof Dr. Óscar Lopes na sua “ LITERATURA PORTUGUESA “. Os berberes eram na época subjugados pelos Árabes e talvez tenha sido essa a razão principal pela qual D. Afonso Henriques teria deixado em paz os habitantes de Mafra e seus termos, que eram Berberes e Moçárabes e não Árabes ( Paulo Freire in “ O SALOIO “, Porto, 1948  e com Carlos de Passos in “ MAFRA” --- Monumentos de Portugal – Porto, 1933 ) .

3º. --- A antiquíssima IGREJA DE SANTO ANDRÉ ( Igreja Matriz da Vila de Mafra ) passaria a denominar-se hoje em dia Capela de Santo André ( ??? ) .
A que ponto nós chegamos. O que é isto ? Que ideia mais estapafúrdia !!! A Igreja Matriz da Vila de Mafra é a Igreja de Santo André e não a Basílica. Que brincadeira de mau gosto é esta ? Quem será a pessoa ou pessoas que apregoam Santo André como Capela, sem saber o que dizem ? Se não sabem, leiam quaisquer dos 3 historiadores Mafrenses acima referenciados e ainda Júlio Ivo, Eusébio Gomes, Santos Ferreira, Dr. Carlos Galrão, João Paulo Freire ( Mário ), Ayres de Sá, Costa Andrade, Armando de Lucena, Raul Brandão, Pinheiro Chagas, Guilherme de Assunção, Joaquim da Conceição Gomes e tantos, tantos outros, para ficarem a saber se é Capela ou Igreja. Têm muito por onde escolher … Há uma frase saloia, que bem define esta situação : “ Vozes de burros não chegam aos céus “. As tradições não se mudam … MANTÊM-SE e FORTALECEM-SE, pois é aí que reside e se desenvolve a cultura de um povo, que ama a liberdade com que nasceu . ( vide MAFRA, Paulo Freire, 1925, pp.126-127 – A EGREJA DE SANTO ANDRÉ – LENDAS E TRADIÇÕES ). Se Pedro Julião ( ou Pedro Hispano ), o Papa João XXI soubesse o que querem fazer à sua Igreja … não ficaria nada descansado … Rebaixar a condição de Igreja Matriz da Vila de Mafra à situação de uma simples capela sem importância, parece-nos completamente descabido … ou será que são diabruras do cabido ?

4º. --- No lançamento de um Livro de Orlando Dinis ( que considero muito bem escrito e historicamente muito bem fundamentado sobre temas interessantíssimos --- o Rei da Ericeira, O Milagre da Senhora da Nazaré e O Círio da Prata Grande --- em banda desenhada, aqui na Ericeira, sob o beneplácito em boa hora aparecido do “ O ERICEIRA “, foi alvitrado por alguém de entre os convidados “ off record “, que Mafra nem teria tido castelo … afirmação esta a que me opus com veemência. Mais uma brincadeira de mau gosto, talvez, ou um “ apalpar de terreno “ para outras ingerências culturais ? É possível qualquer destas hipóteses. Lá diz o vulgo : Dai a César o que é de César e a … César o que é de César … ( A Deus o que é de Deus ??? Isso nunca fez parte dos desígnios de muito “ boa “ gente, que por aqui anda com uma pomposa profissão denominada “ trapaceiro “, dependendo das circunstâncias, naturalmente) .
Por acaso dá-se o nome de uma rua “ Rua do Castelo “ a uma coisa que nunca existiu ??? E as muralhas onde se encontram incrustadas casas a poente da Igreja de Santo André, na Rua das Tecedeiras, também não existem ??? Será fruto da nossa imaginação ??? Valha-vos Deus e vos dê melhor discernimento, aumentando o vosso índice cultural e o vosso coeficiente de Inteligência, que perante tais factos, são incapazes de ver a sua realidade. Querem um conselho ? Vão passear para a Vila Velha e divirtam-se a ver as coisas de outros tempos … Saboreiem as reminiscências culturais que a cada passo e em cada esquina vão encontrando. Divirtam-se .
Daqueles que não querem ver ( porque lhes interessa ) tenho raiva e muita --- Há uma palavra grega que define a atitude destas pessoas: “ APISTIA “ .
Leiam os autores acima referenciados, e a não lhes interessar estes autores por quaisquer razões que queiram usar como justificação, leiam a Crónica de D. Afonso Henriques, de Duarte Galvão. Aí não tereis outra possibilidade senão acreditar naquilo que os vossos olhos lêem .

5º. --- Quando se fala na Guerrilha anti-napoleónica de Frei Carlos, do pequeno ermitério de S. Lourenço, diz-se que nunca existiu. (???) Se não existiu, então quem dava informações sinaléticas aos Barcos Ingleses sobre as posições do exercito napoleónico, comandado em Mafra pelo general Loison ( o Maneta ), durante o inicio do século XIX ??? Era o “ Capitão sem cabeça “ que se dizia aparecer nos corredores do quartel a altas horas da noite, que ia à beira-mar cá para os lados da Ericeira fazer sinais aos Barcos Ingleses ? Se calhar era !!! … Ou então seria a Moura Encantada que foi presa por ordem do Emir seu pai numa cova lá para as bandas da vila velha e só saía à noite para dar cabo da cabeça aos mais incautos ??? … Lendas são lendas, mas factos comprovados …
Qual é o interesse de se negar factos comprovados ? Leiam o Diário de Eusébio Gomes ( relatos de factos ocorridos entre 1800 e 1832 ), patente na Biblioteca Nacional de Mafra, que refere o assunto da Guerrilha anti-napoleónica e aprendam. Temos pena que o Major Santos Ferreira, neto de Eusébio Gomes não tenha aprofundado a questão militar da Guerrilha anti-napoleónica, fundamentado nos relatos de seu avô .

6º --- Por último e assunto não menos importante : José Saramago e a profanação cultural a que Mafra foi ignobilmente sujeita por este indivíduo. Quem era este senhor, que se dizia tão importante a ponto de afirmar que fora ele quem pôs o nome de Mafra no mapa ??? Que a tentou denegrir, isso já não há a menor dúvida, mas … colocar o nome de Mafra no mapa ???????? O nome de Blimunda, talvez, mas no mapa cerebral de alguns “ pseudo-cultos “ e nada mais … Como é possível que um individuo se diga escritor, e mais … lhe tenham dado um prémio Nobel não sei a que titulo ou em que circunstancias, se nem escrever sabia … já que um dos princípios inerentes à escrita da língua de qualquer povo fundamenta-se no respeito que se deve ter pela sua gramática ??? Talvez pudesse ter sido um bom contador de histórias a ser aproveitado por uma qualquer rádio sem escrúpulos ( e só ), pois é notório que desconhece serem as marcações nas frases constituídas por pontos, virgulas, pontos e virgulas, pontos de exclamação e acima de tudo pontos de Interrogação … muitos pontos de interrogação sem afirmações parvas ou megalómanas. E ainda houve alguém que em péssima hora deu o nome deste individuo a uma Escola em Mafra … onde se ensina a língua Portuguesa, mas não, decerto, se estuda Saramago, porque gramaticalmente não tem ponta por onde se lhe pegue … É ou não é verdade ?
Urbano Tavares Rodrigues seria sem sombra de dúvida bem mais merecedor de um Prémio Nobel da Literatura, que o dito Saramago, se estamos a falar em área politica. Urbano é honesto. Saramago foi oportunista recalcitrante …
Tenho pena que muito poucos se tenham levantado contra esta afirmação  ( a história do mapa ) que Saramago pronunciou, quando um dito “ Prémio Nobel “ desconhecia ( não é parecia desconhecer … é desconhecia mesmo ) a existência sem sombra de dúvida do maior vulto literário português LUIS VAZ DE CAMÕES e da sua Principal Obra “ OS LUSIADAS “, de 1572, onde no canto III – Estrofe 55 e 56 refere a existência de Mafra …

“ A estas nobres vilas submetidas
Ajunte também Mafra em pouco espaço;
E nas serras da lua conhecidas
Subjuga a fria Cintra o duro braço “

( Nota : Foi a primeira vez que se escreveu MAFRA com a ortografia actual, pois, segundo as investigações de Paulo Freire, os anteriores grafismos terão sido : MAHFORA, MAHAFARA, MALFORA, MAFORA, MAFARA e finalmente MAFRA, grafismo actual )
Os meus parabéns a Isabel Vaz Antunes por numa das suas notas redactoriais ter posto o dedo na ferida quanto a este senhor e ter chamado “ os bois pelos nomes “. Se calhar o “ espanhoguês “ Saramago nem sequer sabia que o pai do pintor Velásquez era PORTUGUÊS e se chamava SILVA ( Diego Rodriguez da Silva Velasques ) … Coitado … Se calhar nem o nome do leiteiro lá da aldeia sabia …
Quem não quiser ser trucidado, não brinque com os saloios sobre coisas sérias, pois sai machucado com toda a certeza. Eles chateiam-se. Os Saloios não gostam que os pisem. Já chega … Durante tantos séculos a serem pisados, é altura de dizer “ BASTA “ .
Pronto, meus muito queridos conterrâneos. Desabafei .
Isto é demais … para quem gosta tanto dos Saloios e, quer queiram quer não, da sua capital MAFRA e meu amado berço de infância .
Um abraço forte para todos os Saloios, que como eu têm orgulho na sua ascendência e nas suas tradições .

Ericeira, 31 de Dezembro de 2010

MONOLOGO DOS COMPOSTOS ou

Carta Aberta ao

PROF. DR.. Urbano Tavares Rodrigues

Meu muito querido Professor

Hoje, 11 de Março de 2008, já os tempos passaram e fizeram história de quando fui seu aluno no sexto ano de letras alínea b – Germânicas ( à época compreendia também Literatura Portuguesa ) no Colégio Moderno nos finais dos anos 60 .
Que lembranças … Alegre nostalgia que não desaparece nunca com o virar das páginas da vida, porque se tornou perene .
O tempo passa e dia após dia pensamos escrever algo que nos faça recordar dos princípios éticos e morais, que nos abalaram a mocidade e enrijaram os nossos ainda titubeantes pensamentos --- naquele tempo de “ menino e moço” ( “ … me levaram de casa de meus pais para longes terras … “- BR ) ainda um pouco ao sabor de correntes efémeras e ideologias estagnadas que nos empobreciam e, de certa forma, corrompiam os nossos jovens espíritos --- fortalecendo profundamente a nossa formação cultural, embora sujeitos na vida real a toda uma influência publicitária de um Estado Novo, que já era velho quando nasceu, e que havia de ser mudada, custasse o que custasse .
A si, meu querido Professor, devo em especial essa definitiva mudança, que me arquitectou e me ajuizou o meu Ser. Precisava dos olhos abertos --- e quantos não precisavam ? ---, pois seria bem difícil para mim consegui-lo sem a sua gentileza, os seus conceitos inovadores e a sua força anímica, que a todos nos entusiasmava com as suas palestras sábias e exultantes e com os seus conselhos de mestre e instrutor .
A Educação é dada pelos nossos pais, a Instrução pelos nossos Professores, por isso continuo sem entender ainda hoje porque se dá o nome de Ministério de Educação ao que deveria em boa verdade ser Ministério da Instrução .
A Cultura deveria ser o resultado prático da simbiose criada entre a Educação e a Instrução, mas … mais uma vez … o Ministério ( da Cultura ) não corresponde na sua ideia fundamental à verdade, pois todo o seu conteúdo me sabe a bafio e não a algo que esteja vivo dentro de nós. Não espelha de nenhuma forma no nosso Consciente Absoluto as realidades exteriores oriundas dos nossos antepassados e, por isso, não se reflecte no nosso “ Eu “ social, que designam pomposa e grosseiramente por “ Pátria “, hoje sem existência de valores objectivos e orientadores, que os nossos jovens possam seguir .
Que tristeza me fazia o tocar da campainha, que nos indicava o final das aulas. Um perder de tempo que o tempo não apaga. Como eu gostaria de continuar a ouvi-lo saboreando cada frase, cada palavra, cada ideia … e esse tempo passou, deixando profundas marcas na minha formação académica e humana, que por sua causa tão positivas têm sido e me servido ao longo da minha vida .
Nasci em Mafra em 6 de Junho de 1945, à época uma pacata e pequena vila, que cresceu à “ Sombra do Convento “ como diria o meu antigo professor no Externato de Mafra, Guilherme José Ferreira de Assunção .
Mafra pouco mais era naquele tempo do que uma aldeia onde todos se conheciam e inter ajudavam no dia a dia, sem se preocupar com a vida privada de cada um --- caso raríssimo e excepção comprovada em relação à maioria das aldeias repletas de “ cuscas “ por todo o lado --- .
De “ estudos “ poucos estabelecimentos havia --- a Escola D. Pedro V, que leccionava até à quarta classe, e um Externato, que leccionava até ao 5º. ano dos liceus uma grande fatia dos jovens que habitavam as proximidades da vila ( incluindo os da vila da Ericeira ), e nada mais, porque um povo culto não era coisa que servisse os desígnios do Estado, que já começava a apresentar sinais de decrepitude e insanidade emocional e regimental ---, mas era uma terra de gente culta, na sua maioria autodidacta, que tinha por principio pertencer a círculos culturais que nela se iam criando ao longo de gerações, embora efémeros e com grande dose de espontaneidade, é certo. Não deixavam, todavia, de valorizar o interesse social pelo conhecimento, que sempre defendiam e alimentavam .
Quando terminei o 5º. Ano dos liceus, meus pais, remediados de posses, enviaram-me com grandes sacrifícios financeiros ( porque éramos 3 rapazes, sendo eu o mais novo, e todos a estudar ao mesmo tempo ) para as Caldas da Rainha, onde fiz o meu 6º. Ano no Externato Ramalho Ortigão ( apesar de ser do Patriarcado e ter por esse motivo conexões e dependências ao sistema politico vigente, era leccionado por professores, que hoje considero serem ou terem sido --- porque alguns infelizmente já faleceram --- Homens e Mulheres Livres, que não se sujeitavam às determinações estaduais nem se ajustavam aos conceitos tradicionais, como bastas vezes verifiquei e hoje, mais maduro, confirmo a minha análise feita naquela época ---. Por exemplo, foi aí que tive pela primeira vez uma aula de Sexualidade, leccionada por um médico, com a qualidade que hoje desejaria tivesse sido prestada à minha filha durante a sua infância escolar, o que na altura foi profundamente contestado pela Direcção do Patriarcado, mas que só ficou pela contestação como vim a saber mais tarde .
Um dos meus irmãos mais velhos estava, entretanto, a estudar em Oeiras ( tendo seguido para a Força Aérea, chegando a Coronel Piloto Aviador, sendo hoje um dos Assessores na Administração da ANA aeroportos ) e o outro, o mais velho entre nós os três, a expensas parciais de um Tio avô, estava interno no Colégio Valssassina, em Lisboa, o qual após ter terminado o curso liceal seguiu Direito, sendo hoje Advogado em Mafra .
Após os meus estudos liceais, segui o Curso de Administração Hoteleira, na Escola Hoteleira Alexandre de Almeida, também designada por Escola Hoteleira de Lisboa, que se situava à época na Avenida António Augusto de Aguiar, a partir do qual cheguei a ser Sub Director do Hotel Turismo da Ericeira para a Área de Clientes com a idade de 20 anos, situação que deixei para ir cumprir o serviço militar .
Depois do serviço militar cumprido ( o que me levou a participar na Guerra de Angola durante dois anos ) e por razões diversas, após uma estadia de dois anos numa Agência de Viagens como Guia Correio, o gosto pelas viagens e a obtenção de novos conhecimentos levaram-me a entrar para a TAP Air Portugal, onde permaneci por uns longos 34 anos, tendo passado à pré reforma em Outubro de 2004 como Supervisor de Carga e Correio, não sem antes ter sido durante alguns anos Supervisor na Área de Passageiros ( Check in ) desta Companhia Aérea, tendo passado à reforma definitiva em 1 de Abril de 2007. A minha consciência sindical e política alicerçada também nos meus contactos sociais fez-me passar durante algum tempo por Delegado Sindical e posteriormente pela Comissão de Trabalhadores da TAP em complemento à minha actividade profissional, das quais me afastei por não haver correspondência entre os meus filantrópicos desígnios ( e só ) e os permanentes jogos de poder que então aí se verificavam e com os quais de forma alguma estava de acordo. Ficaram as experiências vividas e isso já foi bom para poder aquilatar e entender melhor o mundo que me rodeia .
Mas, perdoe-me estas maçadoras notas intervalares, que me permitiram situar-me através deste preâmbulo, e entremos no assunto que gostaria de referir .
Deixe que voltemos exactamente às nossas vilas e aldeias, onde pululam uns seres, que denominamos “ cuscas “. As cidades são sempre o reflexo das povoações mais pequenas. Umas criam-nos … as outras alimentam-nos …
É exactamente acerca deste tema, que gostaria de deixar algumas notas, que julgo serem pertinentes por serem fruto das minhas observações pessoais perante a sociedade que me rodeia .
Às pessoas que vivem nas aldeias e que têm um procedimento metediço na vida dos outros chamo-lhes “ cuscas “, mas nunca vi “ cuscas “ que tenham nascido nas cidades a não ser aquelas que sempre viveram em pequenos bairros-aldeias ( os “ pátios “ ) e que sempre aí existem, nada tendo que fazer senão passar a vida ociosamente à janela a ver passar o que não vêem, pois nunca vêem nada do que observam por não saberem ver .
A sua vida resume-se nos seus gatinhos ou canídeos e na bucha de pão que comem acompanhada de uma chicara de café ou umas rodelas de carapau frito com arroz, que sobejou do dia anterior, antes de se pespegarem à janela entre vidros no sombreado dos amarfanhados cortinados à espreita … sempre à espreita … esperando que o dinheiro que têm nos bancos lhes renda o suficiente para poderem dizer que são “ muito ricos “ …
Muito piores do que as “ cuscas “ das aldeias são as pessoas que vêm para a cidade e se comportam nessa mesma forma. Para além de serem umas “ cuscas “ mais refinadas, por terem deixado as janelas das suas casas e se pespegarem agora à mesa dos Cafés, especialmente junto às montras onde passam a vida de costureiros a cortar nas casacas dos outros, chamo-lhes “ os desenraizados “, pela sua incapacidade de adaptação à vida que deveriam viver nos moldes das grandes metrópoles, convencidas de que agora são alguém porque vivem na cidade e que são ricas, por esse mesmo motivo. Quando já o não são na sua origem, estas transformam-se vulgarmente em pessoas cheias de doenças do foro psíquico --- esquizofrénicos na sua maioria ---. Porquê ? … Vá lá entendermos as causas … já que os efeitos os conhecemos de sobejo …
Fazem-me lembrar diversos tipos de emigrantes, que quando regressam ao lugar de nascimento trazem carros espampanantes só para mostrar à família e conhecidos com quem antes de emigrarem nunca falaram ou tiveram os mínimos contactos de amizade, numa tentativa muitas vezes conseguida de despertar inveja e ódios recalcados, que são ricas, quando em boa verdade muitas delas vivem nas mais miseráveis condições no país de acolhimento, como bem sabemos por experiência própria .
Estive nos EUA durante ano e meio ( 1982-1983 ) a trabalhar numa Agência de Viagens e pude constatar com muita frequência estes factos .
Trabalhei na Relvas Travel Center, na cidade de Naugatuck, Condado de New Haven - Estado de Connecticut .
Naugatuck foi fundada pelo Inglês ( ? ) John Studly em 1671 --- existem muitas e diversas referências à sua origem Irlandesa e não Inglesa, embora a história da cidade proposta durante os finais do século XIX pela edilidade o tenha como Inglês, existindo um movimento social que pretende repor a verdade da origem daquela personalidade ---, que adquiriu uma parcela de território a partir de negociações havidas com o Chefe Conquepatano, dos Índios Naugatuck também conhecidos por Derby, da sub família dos Quiripi, família dos Mohicans – Nação Lakota-Cree, que viviam junto ao rio Naugatuck .
Esta tribo falava um dialecto referido à língua algonkiniana ( ou Algonquiana ), o qual desapareceu completamente há cerca de 200 anos, tendo os seus membros sido assimilados pela Nação Algonkin --- que fala também uma língua de raiz algonkiniana, embora diferente ---, composta hoje por cerca de 8000 membros, distribuídos no Canada pelas províncias do Quebec e do Ontário. Pouco se conhece das tradições ou língua originais dos Índios Naugatuck. Dizia-se em Naugatuck, quando lá estive, que havia por ali a viver no meio da sua belíssima mata situada a oeste da cidade, uma mulher índia muito idosa, cujos ascendentes nunca teriam abandonado o local, e seria em boa verdade a última Índia de raiz Naugatuck ainda viva. Tentei por diversas vezes procurar essa senhora, mas nunca o consegui, embora gostasse de o ter conseguido a fim de saber algo mais sobre a tribo que ocupara a região em tempos idos e terá dado o nome à cidade, investigação essa que nunca se tornou preocupação mas antes um desinteresse total dos habitantes locais. Na biblioteca local pouco ou nada encontrei sobre o assunto a não ser referências aos Irlandeses que povoaram a região e que são ainda hoje a grande maioria entre todas as colónias, que compõem a cidade ( Irlandeses, Portugueses, Romenos, Portoriquenhos e Francófonos Canadianos ) .
Havia, como ficou já dito, muitos emigrantes que exportavam carros para Portugal para mostrar que agora eram pessoas abastadas, quando na verdade o dinheiro que gastavam no carro e no seu transporte ou era emprestado ou era o que lhes fazia falta para sobreviver no dia a dia … e o local que habitavam … autenticas espeluncas sem o mínimo de conforto. No Inverno, era o caos … Não havia ano em que não morriam duas ou três pessoas devido ao intenso frio, que ali se fazia sentir, bastando dizer que a média anual dos Invernos em Naugatuck rondava os 22 graus centigrados negativos .
Muitos emigrantes contactavam-me na Agência para proceder aos envios de viaturas e profissionalmente tinha de proceder aos trâmites legais, que me solicitavam, sem abrir a boca de reprovação ou de lástima. Faziam com frequência do Hall da Agência a sua sala de estar, aí permanecendo durante longas horas quase todas as tardes, que eu me recorde, a falar … a falar … do que tinham e do que não tinham … do que eram e do que não eram … e dos outros … Bisbilhotices que nada me interessavam e, antes pelo contrário, me faziam enraivecer profundamente por não me deixarem trabalhar em sossego nem ao meu amigo Wilson, também de origem portuguesa e filho do proprietário de um bar situado a um par de metros ao lado da Agência --- Sr Lamas ---.
A maioria ia de Portugal --- e creio que assim continua --- para se encafuar numa vila ou numa cidade passando a conhecer só os caminhos da fábrica e do Banco e nada mais durante toda a semana. E eram eles próprios que me contavam isto. Faziam-no anos a fio, saindo somente ao Sábado para gastar na sua grande maioria quase todo o dinheiro amealhado de 2ª. a 6ª. feira ( o grande “ Sonho Americano “, que se esfuma semanalmente ), enxafurdando-se em cerveja “ Budweiser “ num qualquer bar, Howard & Johnson ou Cofee Shop, que por ali havia, encontrando-se com os “ amigos “ e falando de coisas que não sabiam ou banalizando conversas sem nexo desprovidas totalmente de quaisquer traços culturais … e diziam que conheciam muito bem a América … Coitados … A Cultura é para eles inversamente proporcional ao seu “ modus vivendi “, ou seja, quanto menos cultura maior é o aumento da sua estupidez natural. Para eles cultura era somente sexo e futebol, pois em geral as conversas pouco ou nada mudavam de tema .
Assisti uma vez em Naugatuck a uma peça de teatro --- raríssimo evento cultural ---, que foi levada a cena por um dos meus poucos amigos, embora conhecidos tivesse muitos com quem sempre me dei bem e que ainda de tempos a tempos me enviam notícias daquelas paragens, que a escreveu e coreografou, a qual punha em causa a própria essência da família .
Resumindo: uma mulher ia para a cama com o patrão, só para que o marido subisse na escala hierárquica da fábrica onde trabalhava, colocando paralelamente a sogra num hospício, porque não estava para a aturar … e porque esta sabia tudo o que se passava com a nora … num permanente jogo de perspicácia e de maledicência dentro de um enredo muito bem conseguido e que faria, decerto, sombra a qualquer telenovela enlatada, que passa nas nossa televisões. Era um retrato fiel de grande parte da sociedade portuguesa que vivia em Naugartuck, que muito refilou na altura com essa peça posta em cena, por a considerar imoral … ou porque lhe estava avisadamente a pisar os calos ...
Regressei a Portugal por não me considerar “ mais um “ nem ter a propensão à estagnação como a maioria de todos os outros, salvo pequenas excepções que havia e ainda há, porque alguns ainda se encontram vivos. Dos únicos amigos que tive em Naugatuck, sobressaíam dois portugueses com quem desabafava as minhas apreensões e comungava das mesmas preocupações, mantendo excelentes memórias das nossas conversas. Faziam exactamente o mesmo comigo .
Dos mesmos ouvia reclamações idênticas impregnadas de revolta quanto à sociedade em que estávamos obrigados a estar inseridos. Havia necessidade de mudança, mas … como fazê-lo ? … Impossibilidade terrível … Dilema profundo …
Um, António Avelar, natural da zona de Aveiro, o autor da referida peça de teatro, era formado em Filosofia e Ciências Sociais pela Universidade de Harvard, aí sendo professor efectivo havia alguns anos, passava os seus tempos livres em investigações na Biblioteca da cidade, tendo-o acompanhado a assistir a diversas palestras culturais, que aí se realizavam prestadas por colegas seus universitários, bastas vezes nos meus tempos livres, obrigando-me pela força das circunstâncias a tirar também na Universidade de Harvard um curso, que pelo meu gosto escolhi ser de Alto Medieval na Europa    --- a Naugatuck Historical Society era muito bem provida de livros versando os temas mais variados --- cerca de 30000 muito bem conservados volumes e manuscritos espantosos pela diversidade dos seus conteúdos ---. Neles se compreendem magníficos manuscritos sobre essa tão conturbada época da Europa do século XIII e XIV --- além de originais, existem também um acervo de muitos e variados fac-similes de manuscritos e de obras interessantíssimas ---, não me cansando eu das buscas intensas que fazia sobre os mais diversos temas relacionados com a minha área de estudo sob os olhares auxiliadores do Bibliotecário da Sociedade, pessoa afável, de vastíssima cultura e sempre disposta a auxiliar-me nas minhas buscas, que variadas vezes se sentava a meu lado dando-me indicações preciosas e apontando-me as melhores formas de encontrar o que precisava, fornecendo-me inclusivamente dados no seu Arquivo Pessoal ---.
Também utilizava muitas vezes e com a mesma companhia de sempre a Howard Whittemore Library, também uma excelente Biblioteca, onde encontrava dados fundamentais para os meus estudos .
Por esse motivo, agradeço profundamente ao meu amigo Avelar as suas insistências. Fiz em pouco mais de ano e meio ( desse tempo, já estava há meio ano de novo em Portugal, quando acabei ) o que um aluno normal leva a fazer em quatro anos … Terminei o curso e gostei … O outro, o Severo, era um autodidacta,  profundo conhecedor da área de Biologia Marinha, foi-se embora para a Califórnia, por ter arranjado um lugar num Museu de Monterey na área dos seus gostos. Queria-me levar com ele e hoje penso que talvez tivesse feito mal em não ter aceite o convite que entretanto me fez … É a vida …
Se por um lado fora da minha actividade profissional me dediquei em Portugal após o meu regresso à investigação na área dos Saloios, dada a abundância de documentos existentes no espólio do meu Avô Júlio da Conceição Ivo, por outro, dediquei-me a levar a cabo e ainda hoje continuo a feitura de várias colecções, uma das quais, senão a maior privada em Portugal, pelos menos será uma das maiores, dedicada à Malacologia e Concheologia Marinha, na qual tenho mais de 80.000 espécimes de conchas com cerca de 1200 espécies diferentes. Decerto, o Severo tem também alguma responsabilidade na feitura dessa colecção, pois era uma área que ele gostava muito e muito sabia .
Todavia, considero-me uma pessoa e não um simples dado estatístico, como era tido então nos Estados Unidos, mesmo pelas autoridades consulares portuguesas, que não se preocupavam com as pessoas mas tão somente com os números indicativos da sua presença em terras americanas --- era tido como mais um … ---, revoltando-me assim contra essa situação e fazendo com que os pratos da balança pendessem para o meu regresso. É bem certo, o que o poeta disse “ … Não há machado que corte a raiz ao pensamento … “
Ao falarmos em desenvolvimento cultural entre a generalidade dos emigrantes, quando os não conhecemos, estamos com toda a certeza a brincar com coisas muito sérias, desenvolvimento esse que para eles é totalmente desprovido de sentido. Não nos ceguemos com a areia que nos atiram para os olhos lá do alto dos palanques políticos, pois a mentira é apanágio de monologas dissertações, que a todos pretendem envolver com os seus octópodes braços e … tudo o resto são cantigas ...
Se um dos mais notórios sintomas da Esquizofrenia é a procura permanente de culpados para todos os problemas pessoais e sociais, porque será que os esquizofrénicos juntam invariavelmente uma imensa dose de maldade a todos os seus actos, vilipendiando de todas as formas os seus congéneres como se estes lhes ” fizessem sombra “ --- sombra, de quê ? ---, chegando ao ignóbil ponto de cometer criminosos actos físicos e psíquicos maltratando pessoas que, embora os ignorando como seres humanos no que diz respeito às suas vidas privadas, por outro lado nunca os incentivaram de forma alguma a esses actos, atacando-os traiçoeiramente só por egoísmo, inveja, ganância, ciúme e perfídia ?
O mais curioso de tudo isto é que esta situação transborda muito para além do verosímil no facto de não se verificar a sua existência somente nas pessoas incultas, pois a constatamos especialmente numa franja dos nossos governantes e políticos para além de outros auto denominados “ importantes “ --- ditos na maioria das vezes pomposamente pelos próprios “ pessoas cultas “, que por obrigação das suas funções o deveriam ser mas que realmente o não são … e uma pessoa culta não se inflige por prazer sevícias a ninguém ...
Ninguém é “ importante “ ou “ famoso “ por nascimento, pois a importância de cada um advém da que os seus congéneres lhe atribuem. Quantas vezes ouvimos a solene pergunta : “ Sabe quem eu sou ? “ dito com aquele ar zangado e convencido de ser “ importante “, a quem gostaríamos de replicar pela demonstração da sua amnésica estupidez : “ Quando souber quem é, diga-me, quanto mais não seja por minha curiosidade em saber ou talvez possa necessitar da minha ajuda … “ --- .
Em geral, afloram-se par e passo situações, que se tornam profundamente deprimentes e que por isso nos magoam, ao vermos constantemente imagens de pessoas, que consideramos honestas, serem denegridas só pelo simples prazer de alguns de dizer mal e de outros acrescidos de obscuros objectivos, talvez não tão secretos quanto eles pensam, estabelecendo essa forma de comportamento numa alternativa à sua avassaladora mediocridade. E aí temos os “ desenraizados “, inadaptados socialmente à vida da comunidade citadina .
Todos se esquecem que no fim da vida, e acontece a todos sem excepção, levam alguns palmos de terra em cima e umas florezitas a enfeitar o “ canastro “ e se transformarão em pó ( ad pulve venistes, ad pulvem reverteris ), que a terra se encarregará de dissolver e aumentar o seu caudal metamórfico de há milhões de anos a esta parte e que há-de continuar até que um dia … um meteoro termine com o maldito martírio do global ajuizamento social, já que todos nós somos juízes em causa própria --- ninguém o deveria ser, mas efectivamente é, quer queiramos ou não, pois quando falamos de alguém estamos a ajuizá-lo, como elemento essencial na Assembleia Social do Juízo Universal --- .
E, assim, vemos os “ desenraizados “ proliferar nos corredores de S. Bento, nas nossas cidades, nos nossos condomínios, nos nossos elevadores, nas nossas empresas e nas nossas praças em enxames bravios, ataviados de casaco e gravata ou com vestidos sarapintados de bico à banda e sapatos finos, porque o hábito faz o monge, o que faz degenerar toda a sua acção vital em iníquos actos caciquistas tão frequentes por este Portugal fora .
Porque não voltam os “ desenraizados “ às suas aldeias, porque aí estarão decerto integrados, e deixam em paz os cidadãos comuns, que se estão “ positivamente nas tintas “ para a vida privada dos seus semelhantes ? … e a culpa é sempre dos outros, porque eles, coitadinhos, não têm culpa nenhuma de ter nascido bravios … autoritários … mexeriqueiros … e culinários --- sempre à procura dos tachos para os seus cozinhados sensaborões … --- .
É obvio e notório que paralelamente prolifera em abundância a hipocrisia entre os “ desenraizados “, capazes de levar às barras dos tribunais testemunhas compradas ou de baixíssimo índice ético e moral .
Pela frente, quando os favorecemos de algum modo, é só sorrisos … por trás são só machados bem afiados … e bem o sabemos como cortam. Chegam ao desplante de dizer que nunca fizeram mal a ninguém … Não se enxergam … Mas a culpa é nossa por os favorecemos com uma institucionalizada troca de favores … e permitimos, mesmo que inconscientemente, que essas situações aconteçam. Na maioria dos casos, quando acordamos, já é tarde … terrivelmente tarde … sem retorno …
Todas as lutas partidárias, as guerrinhas internas na maioria das organizações, a falta de escrúpulos da maioria das chefias nas empresas ou os falsos gestores, porque néscios na concretização de falsos projectos em que se metem para obtenção de lucros de toda a espécie incluindo os pessoais, e as lutas desmedidas pelo poder são puro resultado de acções generalizadas protagonizadas por “ desenraizados “, sendo tentáculos de um polvinho sempre em constante movimento numa procura constante de um protagonismo exacerbado, que pretendem cultivar a todo o custo. E aí encontram sempre o desgraçado do Povo --- o Alvo Sublime --- como culpado pelo que aconteceu, pelo que acontece e pelo que irá acontecer, seja o que for … e pior ainda … falando sempre em nome desse mesmo Povo, que não é havido nem achado e muito menos ouvido sobre as questões que lhes dizem respeito .
A capacidade de adaptação ao “ modus vivendi “ dos cidadãos nas cidades é sublime para alguns, muito poucos, porque sabem bem distinguir o trigo do joio, remando contra a maré da insanidade social, embora para outros seja uma total regressão às suas pessoais “ cuscas “ origens na espontaneidade alpínica das suas propensões anímicas, por sobreposição dos mais variados interesses, chegando a ultrapassar-se a si próprios em actos patéticos de desespero, como verdadeiros alpinistas sociais que são … Estes são os piores … os denominados “ desenraizados sabujos “ … que cada vez mais proliferam neste nosso Portugal e que são o exemplo de canibalismo social num estado involutivo e deprimente .
E, assim me despeço, meu muito querido Professor .
Espero ter compreendido a sua mensagem .
Um grande abraço e bem haja pelo que aprendi consigo
C J Ivo da Silva
Lisboa, 2007

FOLHA

Olhei o céu azul matizado aqui e ali de pequenas nuvens brancas solitárias. Uma pequena folha de papel voava ao sabor do vento de nordeste na Praia da Fonte da Telha, lá para os lados da Caparica, baloiçando suavemente em idas e vindas continuas e constantes ora subindo ora descendo sob o efeito de pequenas rabanadas, que se sentiam sobre a pele já um pouco massacrada pela iodada salinidade do ar do mar. Os meus passos eram calmos e calculados .
Um som nostálgico ia acompanhando este efémero voo sem rota nem concreto destino, o do marulhar do mar espraiando-se de mansinho sobre a nua areia, onde os meus pés iam deixando marcas que outras ondas iam alisando sem dó nem piedade como se fosse parte da nossa vida passada, que o tempo e as vicissitudes da vida vão apagando inexoravelmente da nossa memória, com ou sem vontade própria .
Era só uma folha que o vento levava meigamente num natural rodopio. Era como se fosse um livro. Nunca sabemos … Estaria escrita ou estaria em branco ? Não o podia dizer, pois que a minha vista não enxergava as suas lívidas faces. Era como se fosse um livro, disse, e é bem verdade, pois se estivesse na estante o livro estaria completamente em branco. As pessoas olham e nada vêem a não ser um caderno de folhas brancas de espessura variável, mas se fosse manuseado e lido estaria escrito, porque estaria a cumprir os seus objectivos de transmissão de pensamentos do autor para o leitor. Mas então podemos distinguir perfeitamente quando um livro está em branco ou tem assuntos escritos. Se para uns um livro está em branco, para outros ele estará seguramente escrito … Depende da sua racionalidade .
Pensamentos sempre dão lugar a outros pensamentos … e eles são a fonte dos nossos sentimentos. Era assim que eu via aquela folha de papel. Gostava de saber se ela estava escrita ou não como objecto de uma curiosidade natural. Há muita gente que gosta de ler livros em branco, pois não conseguem assumir a sua frivolidade a não ser com falsos considerandos única e exclusivamente de posse. Ler um livro não é de forma nenhuma a mesma coisa que ter um livro, só para se poder dizer que o temos. E, normalmente, arranjam-se soberbas encadernações como se fosse uma vestimenta para engalanar um figo podre que não se pode nem se quer tocar, mas lá que dá vista … lá isso dá … para gáudio do seu possuidor .
Se a folha estivesse escrita, o que diria ? Pensamentos simples ou complexos ? E se estava em branco ? Que gostaríamos de ver escrito nela ? Teria algum rabisco … algum desenho ? De quê ? Os desenhos também são a transmissão de pensamentos e, mais do que isso, de sentimentos. O pintor transmite à tela os seus pensamentos e os seus sentimentos através de rabiscos simples ou elaborados, conforme a sua audácia ou capacidade criativa numa coerente transmutação alquímica, que lhe serve de justificação e a muitos outros, senão à maioria, de tolerância e complacência, mais do que prazer e admiração. Basta assistirmos a uma mostra de pintura, onde os assistentes mais apreciam os salgadinhos e um ou outro whisky que os sentimentos apostos em forma de cores e traços sobre as telas em exposição … e depois quando perguntados sobre o que acharam da mostra de pintura, dizem que adoraram … adoraram …
E a folha continuava no seu rodopio, ora afastando-se ora aproximando-se de mim.
Quando longe, dava a impressão de ser uma gaivota esvoaçando … bela … simples … provocadora … talvez detentora da Verdade, que sempre buscamos, quando temos a noção da minúscula posição que ocupamos no Universo, porque somos só nós e somos nós próprios confrontados com o que nos rodeia e a que pomposamente chamamos Natureza, porque não sabemos que outro ou outros nomes lhe dar, muitas vezes por hipócrita conveniência .
E o baloiçar da folha ora era triste … sublime … ora era alegre … brejeira, conforme o vento, que não se vê mas que se sente na plenitude da sua existência, a impelia com mais ou menos força. Das coisas tristes sempre gostamos de nos esquecer, mas são elas que mais rodopiam nos nossos pensamentos e mais vezes ocupam a nossa memória, porque a História, seja ela geral ou pessoal é feita na sua essência e na sua existência de “ais “ e de “ uis “ .
Como eu gostaria de saber o que se passava com a folha … se estava em branco ou se tinha algo escrito e, nesta situação, se o que lá estava escrito era alegre ou triste como o baloiçar do vento. Como gostaria eu de saber o seu destino como se fosse eu próprio que estivesse em causa e gostasse de saber qual era ou é o meu …
E a folha continuava esvoaçando suavemente à vertical do ponto onde me encontrava até que o vento amainou e ela baixou … baixou … baixou … em leves sacudidelas de baloiço ou soluços de criança até ficar deitada inerte sobre os grãos daquela areia molhada. Apanhei-a e para meu grande espanto tinha um enorme ponto de interrogação escrito a azul, como que a querer dizer que a Verdade é o único ponto de interrogação para o qual enquanto vivos nunca obteremos qualquer resposta .

Lisboa, 2007

TRIOLOGIA DO MAR E AS MEMÓRIAS DE UM CATADOR DE CONCHAS - III


O NAVEGADOR


Passaram-se dias e eu recostado numa cadeira da praia de Canoa Quebrada --- a vila hippie das duas ruas e 250 pousadas encavalitadas umas nas outras --- olhando as pequenas ondas, que baloiçavam sobre o mar azul claro do nordeste Brasileiro, no Estado do Ceará, ia pensando com a minha “ tea-shirt “, que tinha trazido do Recife, o que aquele mar tinha de novo para me mostrar … e eu não levava camisa com botões. Por isso …
  A Norte viam-se as dunas de areia que antecipam a existência de um rio, o Jaguaripi, onde os mangais pejados de magnificas ostras   ( “ CRASSOSTREA RIZOPHORAE “ --- Guilding – 1828 ) são a moldura permanente de uma pequena selva com alguns extremamente barulhentos saguins e papagaios, onde em tempos o Jaguar era rei e senhor e daí o seu nome ( Rio do Jaguar ). A sul a extensa areia lisa da praia e os morros avermelhados de óxido de ferro perdiam-se no horizonte .
Aqui e ali viam-se meias conchas descarnadas enfeitando a areia na zona molhada. Eram maioritariamente conchas de “ TELLINA PUNICEA “ ( Von Born – 1778 ) , de “ TELLINA LISTERI        ( Röding – 1798 ) , de “ DONAX VARIABILIS “ ( Say – 1822 ) e de “ DONAX STRIATUS “ ( Linnaeus – 1767 ) a que os indígenas Tupis chamam vulgarmente “ Taioba “  .    
Estava calmo o tempo, embora uma leve aragem provocada pelos permanentes ventos alísios, se fizesse sentir para apaziguamento do forte calor tropical, que aquecia os meus braços e as minhas pernas. Não fosse o meu cuidado em proteger essas partes do corpo com óleos protectores --- que no Brasil há muitos à base de banana e coco, de confecção caseira, mas que dão óptimos resultados --- e em poucos minutos estaria transformado numa lagosta cozida. O meu boné de pala com o Escudo Português --- faço questão em me identificar quanto ao meu país de origem, quando viajo para qualquer lugar fora de Portugal, nem que seja para a nossa vizinha Espanha  --- faz sempre parte da minha indumentária, quando ando por aquelas paragens tropicais .
Ao meu lado uma pequena mesa de plástico branco era engalanada por um copo de plástico transparente publicitando a casa, uma cerveja bem gelada dentro de um recipiente de esferovite, que assim a mantinha, e uma travessa já só com meia dúzia de camarões panados à “ Milanesa “ cheios de palitos espetados e repastelados sobre uma fresquíssima cama de folhas de alface, rodelas de tomate, pimento verde e limão acompanhados de batata frita e um molho delicioso de maionese, que de tempos a tempos iam servindo de intervalo às minhas cogitações e ao sossego do meu apetite e da minha sede … e o aperitivo já tinha sido uma “ caipirinha “ bem servida com lima verde triturada e gelo … muito gelo …
É um costume que não se perde por aquelas paragens … uma ou duas “ caipirinhas “ antes do repasto … À terceira, quer se queira ou não … dorme-se muito bem. Não é preciso tomar comprimidos para dormir. É costume dizer-se em Curaçau, no meio da comunidade Madeirense aí existente, quando se convida alguém para tomar um trago de qualquer bebida : “ Vai um comprimidinho ? “ …
Lá longe duas ou três embarcações, tipo jangada, com uma vela latina desfraldada vinham na minha direcção ainda a grande distância da praia. Com dificuldade se via os mareantes, pescadores destemidos, para quem os tubarões e outros perigos não representam preocupações de maior. Desconhecem o medo … A sua vida é uma luta constante … Aventuram-se naquele mar só para apanhar meia dúzia mal contada de peixitos --- que os grandes eles não os apanham porque não têm material nem condições de segurança para o fazer ---, que mal dão para alimentar as suas famílias pobres e muitas vezes votadas ao ostracismo pelo seu destino madrasto. De tempos a tempos lá conseguem vender alguns dos que apanham para arrebanhar uns míseros cobres, a fim de puder auxiliar a família raramente pequena no seu sustento .
Depois das velas enroladas trazem o pequeno cabaz às costas com o que apanharam e dirigem-se a passo lento para casa --- choupanas de barro e colmo ou tipo palafitas em madeira --- acompanhados em geral por um dos filhos, que a partir dos 14 ou 15 anos ficam a fazer parte da companha. A pesada “ poita “ lá fica pendurada na zona de proa, que só se diferencia da ré, porque esta tem um leme tipo remo com uma pá mais larga e que lhes dá uma maior mobilidade nas suas andanças, enquanto a proa não tem nada disso, como é lógico. Só tem uma argola em ferro onde prendem o cabo da poita com um ou dois nós “ Lais de Guia “ duplos .
A meio das jangadas da praia de Canoa Quebrada vê-se invariavelmente um banco corrido situado no sentido proa-ré, em cujo centro é instalado o mastro, --- noutras zonas do nordeste brasileiro a situação do banco ou bancos é bem diferente, tal o caso das jangadas de Porto Galinhas em que usam dois ou só um banco transversal o sentido  bombordo-estibordo ---, onde os pescadores só se sentam para descansar, pois pescam de pé com uma agilidade e um sentido de verticalidade, que faz inveja à maioria dos pescadores da nossa costa portuguesa .
Deste género de pescadores, que eu saiba, só se encontram também em S. Tomé e Príncipe, quando nas suas canoas a curricar andam à pesca do Andala ( um tipo de Espadarte, mais conhecido por Veleiro, que aí existe em grande quantidade ) com uma vara e dois cabos de nylon com cerca de 500 metros de comprimento presos às pontas da vara, tendo como isco um tufo de cabo de nylon grosso e desfiado ( o “ Blindado “ ) .
Os “ Andalas “ ficam presos nos blindados, quando neles investem com os seus longos bicos frontais e quanto mais se movem para se libertar, mais o tufo de nylon se enreda neles  .
Sempre que vão à pesca do Andala levam essas canoas duas pessoas. Uma rema à ré enquanto a outra vai de pé virada para a proa segurando a vara à altura dos ombros … Qual equilibrista usando uma vara de equilíbrio sobre o cabo de aço de um circo … E não é a vida um Circo permanente ? … Há uns que mais se equilibram que outros e há os que vêm parar ao chão sem apelo nem agravo … e outros eventualmente ao mar. Hoje em dia já vão utilizando pequenos motores fora-de-borda de 5 cavalos, que o Governo de S. Tomé pôs à sua disposição a preços mais baixos … e ainda bem … embora muitas dessas canoas possa utilizar vela, o que fazem frequentemente .
E lá se seguiu mais um camarãozito com sumo de limão por cima e uma ou duas batatas fritas ponteadas daquele esplêndido molho de maionese .
Uma delícia que só pode ser comparada às ostras do mangue, que vendedores calcorreiam a praia trazendo-as em caixas térmicas ou em baldes apinhados de gelo e nos servem com muito limão por      “ tuta-e-meia “. Eles próprios é que as abrem e lhes metem o limão e … depois … é só comer … só comer … mas cuidado … são afrodisíacas … Julgo que é por essa razão que as famílias dos pescadores nordestinos são tão grandes …
Não foi preciso ir catar dessas conchas, pois vieram parar à minha mão com a maior das facilidades .
  “ Está interessado em ostras ? Quantas quer ? “ me perguntou a medo o vendedor, tendo-lhe respondido de pronto : “ Ponha de lado as conchas vazias e quando acabar de comer contam-se e dividem-se por dois. Logo saberemos quantas ostras comi, mas cuidado não parta as conchas, porque as quero para a minha colecção. Abra-as com o maior cuidado, por favor “. “ Tá bem, doutor. Fique descansado “, retorquiu-me o vendedor … e teve cuidado efectivamente e direito a uma gratificação complementar …
Cada ostra custava 50 cêntimos do Real, quando um Euro equivalia por alto a 3,80 Reais ( chegava-se a trocar a 4 Reais fora do mercado oficial de câmbios ) .
De certeza que dessa vez devo ter comido mais de 2 dúzias, tão saborosas eram. As conchas só as escolhi em casa … por falta de vista, claro … não sei se provocada pela cerveja tomada em dose equivalente à das ostras …
Mas há aqueles vendedores ( geralmente de tea-shirt ou camisas de tecido finíssimas com dizeres publicitários referindo uma empresa da região, uns calções e umas chanatas ou gáspeas de borracha tipo africanas ), que vendem rectângulos de queijo fresco assado e que nada tem a ver com marisco … mas que é bom, lá isso é, para rematar o petisco .
Existe efectivamente uma parceria entre a loja da praia, que fornece a alimentação aos veraneantes, e aqueles vendedores ambulantes, que se inter ajudam de todas as maneiras. Dá para todos e não vi queixumes da parte de ninguém. Há vendedores de tudo o que se possa imaginar, desde óculos a roupa interior de senhora, passando por alimentos, perfumes e óleos, vídeos e música, e quando lhes pedimos qualquer artigo que não têm, tentam de imediato procurar entre os outros colegas vendedores esse artigo de forma a contentar os clientes, mesmo que seja do mesmo tipo de artigos que eles vendem … Se isto não é inter ajuda, o que será ?
Levantei-me finalmente após um merecido descanso pelas muitas andanças naquelas paragens e fui dar mais um dos meus passeios para desanuviar o espírito e tirar-me da moleza em que estava a ficar prostrado. Aí fui eu mais uma vez praia fora à cata de material para a minha colecção tendo apanhado em pouco tempo muitas conchas com algum interesse, entre as quais as de alguns Gastrópodes tais como um “ CYMATIUM FEMORALE “ ( Linnaeus – 1758 e Perry – 1811 ), cujo habitat é normalmente na zona dos mangues junto à foz dos rios e não nas areias limpas do Ceará. Achei deveras curioso embora não tenha ficado de todo admirado .
Das peças mais difíceis de se apanhar completas devido à sua fragilidade contam-se as belíssimas “ SPIRULA PERONII “ ( Linnaeus – 1758 ). Delas apanhei um pequeno lote, que com todo o cuidado as embrulhei em guardanapos de papel que levava comigo não fossem elas aparecer na areia seca, que na molhada não se encontram .
Quando estava a dar por terminada a minha paciente caminhada de regresso e muito satisfeito com o lote de conchas que tinha apanhado, como diria Correia Garção : “ Eis senão quando … caso nunca visto … “, encontrei mesmo na rebentação um belo espécime de      NAUTILUS POMPILIUS “ ( Linnaeus – 1758 ) a que dei o cognome de “ o Navegador “, mas que não se chamava Henrique, nem sequer pertencia à Ínclita Geração … .
Que delícia. Nunca esperei encontrar um e, muito menos, em perfeitas condições na zona de rebentação marinha com cerca de 12 cm . Já se encontrava morto, mas ainda com algumas partes moles, que os peixes ainda não tinham conseguido arrancar à concha .
Devia ter chegado havia pouco tempo àquelas paragens navegando ao sabor das correntes e daquele mar, que por vezes tão agreste se torna. Quantas milhas terá navegado ? Que perigos de vida terá enfrentado até perecer naquela praia de Canoa Quebrada ? Vamos lá saber …
A Vida nem sempre é ruim. Tem muitas coisas boas também. Basta um golpe de sorte e elas acontecem para nosso prazer, fazendo esquecer as agruras que dia a dia nos perseguem inexoravelmente … a nós como a todos os seres vivos como se o Karma de cada um de imutável Lei da Natureza se tratasse … e assim é …


Lisboa, 2006

Publicado nesse mesmo ano na revista de Malacologia " O BÚZIO "