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Nota Prévia :

Este Blog destina-se exclusivamente à divulgação de trabalhos escritos por mim para meu prazer e daqueles que eventualmente estivessem interessados na sua leitura.

Felizmente, foram muitos os que se me dirigiram a pedir que divulgasse alguns dos meus trabalhos, especialmente os que mais me marcaram ao longo da minha vida, daí ter feito uma escolha selectiva de entre todos eles, muitos ficando de fora, naturalmente .

Foi por esse motivo que surgiu este Blog .

Muitos desses trabalhos já haviam sido publicados em periódicos e revistas da especialidade e não só, muitos deles além fronteiras ( EUA e BRASIL ), e alguns chegaram mesmo a ser galardoados em Concursos de Contos e Poesias e diversos Jogos Florais .

À medida em que forem inseridos neste Blog, tentarei informar quais os já anteriormente publicados, onde e quando e se tiverem sido galardoados, quais os prémios que lhes foram atribuidos e quais as Organizações envolvidas .

Espero que a memória não me falhe e os meus apontamentos não estejam incompletos.

Ericeira, 20 de Janeiro de 2011

Carlos Jorge Ivo da Silva

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

FOLHA

Olhei o céu azul matizado aqui e ali de pequenas nuvens brancas solitárias. Uma pequena folha de papel voava ao sabor do vento de nordeste na Praia da Fonte da Telha, lá para os lados da Caparica, baloiçando suavemente em idas e vindas continuas e constantes ora subindo ora descendo sob o efeito de pequenas rabanadas, que se sentiam sobre a pele já um pouco massacrada pela iodada salinidade do ar do mar. Os meus passos eram calmos e calculados .
Um som nostálgico ia acompanhando este efémero voo sem rota nem concreto destino, o do marulhar do mar espraiando-se de mansinho sobre a nua areia, onde os meus pés iam deixando marcas que outras ondas iam alisando sem dó nem piedade como se fosse parte da nossa vida passada, que o tempo e as vicissitudes da vida vão apagando inexoravelmente da nossa memória, com ou sem vontade própria .
Era só uma folha que o vento levava meigamente num natural rodopio. Era como se fosse um livro. Nunca sabemos … Estaria escrita ou estaria em branco ? Não o podia dizer, pois que a minha vista não enxergava as suas lívidas faces. Era como se fosse um livro, disse, e é bem verdade, pois se estivesse na estante o livro estaria completamente em branco. As pessoas olham e nada vêem a não ser um caderno de folhas brancas de espessura variável, mas se fosse manuseado e lido estaria escrito, porque estaria a cumprir os seus objectivos de transmissão de pensamentos do autor para o leitor. Mas então podemos distinguir perfeitamente quando um livro está em branco ou tem assuntos escritos. Se para uns um livro está em branco, para outros ele estará seguramente escrito … Depende da sua racionalidade .
Pensamentos sempre dão lugar a outros pensamentos … e eles são a fonte dos nossos sentimentos. Era assim que eu via aquela folha de papel. Gostava de saber se ela estava escrita ou não como objecto de uma curiosidade natural. Há muita gente que gosta de ler livros em branco, pois não conseguem assumir a sua frivolidade a não ser com falsos considerandos única e exclusivamente de posse. Ler um livro não é de forma nenhuma a mesma coisa que ter um livro, só para se poder dizer que o temos. E, normalmente, arranjam-se soberbas encadernações como se fosse uma vestimenta para engalanar um figo podre que não se pode nem se quer tocar, mas lá que dá vista … lá isso dá … para gáudio do seu possuidor .
Se a folha estivesse escrita, o que diria ? Pensamentos simples ou complexos ? E se estava em branco ? Que gostaríamos de ver escrito nela ? Teria algum rabisco … algum desenho ? De quê ? Os desenhos também são a transmissão de pensamentos e, mais do que isso, de sentimentos. O pintor transmite à tela os seus pensamentos e os seus sentimentos através de rabiscos simples ou elaborados, conforme a sua audácia ou capacidade criativa numa coerente transmutação alquímica, que lhe serve de justificação e a muitos outros, senão à maioria, de tolerância e complacência, mais do que prazer e admiração. Basta assistirmos a uma mostra de pintura, onde os assistentes mais apreciam os salgadinhos e um ou outro whisky que os sentimentos apostos em forma de cores e traços sobre as telas em exposição … e depois quando perguntados sobre o que acharam da mostra de pintura, dizem que adoraram … adoraram …
E a folha continuava no seu rodopio, ora afastando-se ora aproximando-se de mim.
Quando longe, dava a impressão de ser uma gaivota esvoaçando … bela … simples … provocadora … talvez detentora da Verdade, que sempre buscamos, quando temos a noção da minúscula posição que ocupamos no Universo, porque somos só nós e somos nós próprios confrontados com o que nos rodeia e a que pomposamente chamamos Natureza, porque não sabemos que outro ou outros nomes lhe dar, muitas vezes por hipócrita conveniência .
E o baloiçar da folha ora era triste … sublime … ora era alegre … brejeira, conforme o vento, que não se vê mas que se sente na plenitude da sua existência, a impelia com mais ou menos força. Das coisas tristes sempre gostamos de nos esquecer, mas são elas que mais rodopiam nos nossos pensamentos e mais vezes ocupam a nossa memória, porque a História, seja ela geral ou pessoal é feita na sua essência e na sua existência de “ais “ e de “ uis “ .
Como eu gostaria de saber o que se passava com a folha … se estava em branco ou se tinha algo escrito e, nesta situação, se o que lá estava escrito era alegre ou triste como o baloiçar do vento. Como gostaria eu de saber o seu destino como se fosse eu próprio que estivesse em causa e gostasse de saber qual era ou é o meu …
E a folha continuava esvoaçando suavemente à vertical do ponto onde me encontrava até que o vento amainou e ela baixou … baixou … baixou … em leves sacudidelas de baloiço ou soluços de criança até ficar deitada inerte sobre os grãos daquela areia molhada. Apanhei-a e para meu grande espanto tinha um enorme ponto de interrogação escrito a azul, como que a querer dizer que a Verdade é o único ponto de interrogação para o qual enquanto vivos nunca obteremos qualquer resposta .

Lisboa, 2007

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