Existe uma certa dificuldade no ser humano, quando pretende expor as suas opiniões com a máxima clareza. Quanto mais claras se tornam para o cidadão comum as suas opiniões, mais difíceis se tornam quando expressas em termos de cristalinidade .
Por vezes, determinadas facilidades linguísticas servem a capacidade de intervenção humana levando, porém, na maioria dos casos o cidadão a uma presença ineficaz no seio da sociedade, acabando por não entender exactamente nem o que diz nem o que faz, embora escreva ou fale muito bem, atropelando os seus sentimentos e o seu próprio pensamento. Como excepção a esta regra lá aparecem de vez em quando elementos capazes de uma loquaz intervenção, agradando a quantos o ouvem, conseguindo transmitir exactamente a mensagem que gostariam de ver transmitida .
Nem sempre são os loquazmente mais capacitados, que levam aos restantes cidadãos a noção correcta da vida e das suas razões, mas sim aqueles cuja sensibilidade é mais intensa e, por isso mesmo, mais capazes de transmitir aos outros o que lhes vai no coração, como se o seu espírito servisse de elo de ligação, mostrando o que verdadeiramente une uns espíritos aos outros, tornando-se essa união a base fundamental da sua evolução interior .
Essa sensibilidade é característica natural do Ser Humano, todavia existente em graus diferentes indivíduo a indivíduo e para demonstrar a sua existência nada melhor que um pequeno conto elaborado a partir de dados reais vividos por uma pessoa amiga .
Era uma vez uma menina, que tinha a legitima esperança de criar um mundo melhor em que todos os Seres Humanos pudessem viver em paz e serenidade, o que deveria constituir, segundo a sua opinião, a base fundamental da felicidade humana .
Nas suas horas vagas passeava-se entre Lares de Idosos e Centros de Reclusão e de desgostosos da vida, porque lhe dava prazer levar um pouco de conforto ao seu semelhante, fazendo-o como parte integrante do seu projecto de Vida .
Num desses passeios --- se tal se pode chamar assim --- visitou um lar de idosos, no qual se encontravam entre muitas senhoras uma de vetusta idade, que chamou a sua atenção pelo seu ar tanto meigo como absorvido, parecendo demonstrar uma certa alienação do meio em que estava inserida .
Chegada junto da senhora, verificou que ela levantou a sua cabecinha pendente e clamou :
“ Ana ! Ana ! Minha netinha … Há quanto tempo não te via. Como estás crescida, minha querida … Minha querida netinha ,,, Estás cada vez mais linda, meu amor … Que alegria voltar a ver-te … “
De surpresa em surpresa a menina ficou pensativa perante esta situação sem conseguir dizer fosse o que fosse, pois fora a primeira vez que vira a senhora .
E a senhora voltou a clamar :
“ … Ana ! Ana ! … Minha querida … Foi tão bom teres vindo visitar-me … minha netinha … Como me sinto feliz … Nem imaginas a alegria que me deste em vir visitar-me … minha querida Ana … “
A menina, uma vez mais, pensou … pensou … e teve uma saída airosa, chamando à senhora velhinha : “ Avozinha ! “, entrelaçando-lhe as suas idosas e enrugadas mãos com as suas .
Nos olhos da senhora vislumbrou uma alegria sem fim acompanhada de uma pequena e mal disfarçada lágrima .
Talvez inicialmente a menina não tivesse pensado na sua própria reacção, mas a pouco e pouco sentiu que o seu espírito enviara uma mensagem à senhora em resposta ao pedido de socorro, que aquela lhe fizera .
A menina sentiu que não fora só ela a dar alguma coisa à senhora, mas fora a senhora quem primeiro lhe deu o que de mais precioso tinha, talvez a melhor prenda que se pode dar a
alguém, o testemunho insofismável da vida, a consanguinidade .
Depois, já restabelecida, a menina sentiu-se forte e alegre por ter chamado avozinha à senhora .
Sentiu, em boa verdade, que o seu espírito tinha finalmente definido o que é o Natal em cada um de nós, a doação completa sem qualquer espera de retribuição .
E a menina e a senhora idosa sorriam ao mesmo tempo contemplando-se sem reservas .
De pensamento em pensamento, a menina compreendeu também pela primeira vez, que o contrário do nosso Natal espiritual é o Apocalipse, que surgirá um dia em cada um de nós, no sentido da separação do trigo e do joio, que determina o início da ascensão a uma esfera superior, ficando para trás todos os espíritos, que nunca sentiram o sinal espiritual da evolução, continuando na ausência da Luz. Basta um pequeno nada para se alcançar a plenitude .
Lisboa, 1995
Sem comentários:
Enviar um comentário