EM BUSCA DAS CONCHAS PERDIDAS PELO MAR
Muitas têm sido as vezes que me desloco à beira-mar em procura de conchas para a minha colecção. Aproveito para me ginasticar, gozando as delícias que a beira-mar sempre me oferece. Cada vez que me baixo para apanhar uma concha é mais uma flexão contabilizada no grande rol das muitas efectuadas. Se para um lado da praia sigo os trilhos do quebra mar que separa a areia molhada da areia seca e onde os restos amiúde se juntam com as algas partidas e os pequenos ramos, que o mar atira inadvertidamente à praia, no sentido contrário venho na quebra das ondas a chapinhar e a fazer fisioterapia marinha, recebendo as ondinhas nas minhas pernas como um bálsamo natural e propício à possibilidade de novas caminhadas tão agradáveis como benfazejas para a minha saúde física e mental, enquanto penso .
Verifico muitas vezes que os banhistas não têm a mínima contemplação pelos restos das conchas e a seu belo prazer --- pelo menos parece --- vão caminhando propositadamente sobre os trilhos, embora tenham dezenas de metros de areal a estibordo e a bombordo completamente livres de conchas, partindo-as ou enterrando-as na areia inexoravelmente, pois os seus restos não servem para nada a não ser para aumentar o volume imenso de areia, que o mar traga e devolve quando muito bem lhe apetece .
Quando vejo um desses indivíduos à minha frente dá-me vontade de o mandar “ dar uma curva ao bilhar grande “, pois não há direito que me estrague o meu prazer. Mas … a praia é de todos os que nela se entretêm a desfrutar prazeres, senão os meus, outros quaisquer, mas não menos valorosos, decerto .
Por vezes, lá aparece alguém que me pergunta o que é que eu estou a fazer com um saquinho e uma caixinha de plástico na mão. De pessoa para pessoa depende a minha resposta. Se a uns digo que estou a apanhar conchas para a minha colecção e, dependendo do seu mostrado interesse, lhes explico exactamente o que estou a fazer, especialmente a miúdos, levando-os a ter interesse pelo coleccionismo de conchas e estes na sua paga natural apanham muitas e dão-mas perguntando amavelmente se me servem. Claro, mesmo que não sirvam, servem sempre para gáudio da pequenada que se sente útil no que está a fazer ajudando-me e amanhã alguém os ajudará também, estou certo. Aos outros, que me andaram a estragar os pontos de recolha, lhes digo que, como sou maluco ando a apanhar alguns grãos de areia para fazer um carreirinho lá em casa, mas com grãos muito especiais, que só existem naquela praia e é preciso escolhê-los bem … e eles lá se afastam pensativos e a dizer para os seus botões ou para as suas tea-shirts : “ … ou este gajo é maluco mesmo ou está a fazer de mim palhaço … “ . A segunda opção é a verdadeira, penso eu .
Por vezes, procuro conchas específicas como por exemplo os muito pequenos, multicolores e belíssimos “ Pectens “ e “ Chlamys “, de que as nossas praias são tão pródigas ou as pequenas “ Tellinas Tenuis “ ( cor de rosa ) ou as lindíssimas “ Tellinas Fragilis “ ( branquinhas como a cal das paredes ), que por serem tão raras tanto maior é o meu prazer em as apanhar, especialmente após as marés vivas. Nem sempre aparecem dependendo o seu aparecimento da época do ano em que as busco, diferindo também a sua existência de praia para praia, naturalmente. Raramente apanhamos conchas de habitat em areia em praias rochosas .
De tempos a tempos, lá aparece um “ Apohrrais Pespelecani “ ou uma pequeníssima e rosada “ Trivia Monacha “ ( que o povo conhece como “ Beijinho “ ) trazendo no dorso levemente rugoso e ondulado sempre três pintas escuras, que a diferenciam de outras Trivias. Que grandes achados … São raros nas nossas costas marítimas, embora os haja a três ou quatro metros de profundidade … mas o mar prefere guardá-los religiosa e sofregamente … e eu sem culpa nenhuma …
E as gaivotas ?! Aqueles animaizinhos de duas patas, que pedem licença a uma para mover a outra e só sabem correr, quando gamam algum petisco sem autorização, como fazem muitas vezes ao isco que os pescadores têm por perto para sua utilização … e voam … voam … voam … e se é sobre terra são sinal de vendaval ou temporal no mar … Essas são as melhores companheiras do coleccionador, pois lhe indicam onde existem conchas. Normalmente, aí estão elas na areia a debicar bivalves para comer, quando não há algum “ pilado “ ou peixinhos de escama que possam agarrar na rebentação. O pilado é um tipo de caranguejo mole de cor castanha com pás em vez de patas ( tipo tartaruga ), que quando na desova vêm junto à praia aos milhares e são atiradas para a areia pela ondas em desmaio. A presença das gaivotas sobre a areia, como ficou dito, é um óptimo indício de boa recolha de conchas .
Chego a andar mais de duas horas de cada vez que me disponho à recolha de conchas, o que significa muitos quilómetros andados sobre a areia e muitas centenas de conchas apanhadas .
Acabo por me sentir o que se chamaria um verdadeiro “ catador de conchas “ … e … antes conchas que outras coisas funestas, que infelizmente abundam nas nossas praias. Para isso existem os grupos de limpeza camarária …
Por muito treino que tenha, por vezes lá parece uma concha que não sei a que família pertence e torna-se essa no alvo primordial da minha atenção. Quando chego a minha casa, lá me vou entreter com ela, até achar a sua descrição e correcta identificação. É uma alegria quando o consigo com perfeita convicção, mas há dias … e não são poucos, que folheio livros … e livros … e livros … e busco no meu banco de dados e … não encontro a concha … para a poder classificar correctamente … e lá fica ela sobre a minha secretária à espera de melhor disposição da minha parte para a investigação ou que venha numa situação muito comum um dos meus gatos e me obrigue a andar de cócoras à procura dela em tudo quanto é sítio … e aí está como se faz ginástica na praia e em casa quando se anda em busca das Conchas perdidas pelo mar .
Lisboa, 2006
Publicado nesse mesmo ano na revista de Malacologia " O BÚZIO "
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