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Nota Prévia :

Este Blog destina-se exclusivamente à divulgação de trabalhos escritos por mim para meu prazer e daqueles que eventualmente estivessem interessados na sua leitura.

Felizmente, foram muitos os que se me dirigiram a pedir que divulgasse alguns dos meus trabalhos, especialmente os que mais me marcaram ao longo da minha vida, daí ter feito uma escolha selectiva de entre todos eles, muitos ficando de fora, naturalmente .

Foi por esse motivo que surgiu este Blog .

Muitos desses trabalhos já haviam sido publicados em periódicos e revistas da especialidade e não só, muitos deles além fronteiras ( EUA e BRASIL ), e alguns chegaram mesmo a ser galardoados em Concursos de Contos e Poesias e diversos Jogos Florais .

À medida em que forem inseridos neste Blog, tentarei informar quais os já anteriormente publicados, onde e quando e se tiverem sido galardoados, quais os prémios que lhes foram atribuidos e quais as Organizações envolvidas .

Espero que a memória não me falhe e os meus apontamentos não estejam incompletos.

Ericeira, 20 de Janeiro de 2011

Carlos Jorge Ivo da Silva

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

CARTAS DA AMÉRICA DO NORTE – III

OS TEDDY BOYS

Noite dentro, encostados ao balcão do Bar Lamas, ora com a " doce voz " característica da embriaguez ora com roncos pedintes da piedade por quem tem sede e a boca já sabendo a " papel de música ", uns tantos indivíduos, pertinazmente, procuravam nos bancos altos a sua direcção vertical .
Os bancos, mal almofadados pelo desgaste do tempo, serviam de prova à verticalidade de que o homem tanto se vangloria naqueles casos, mas que quase nunca consegue manter e muito menos demonstrar, por maior esforço que faça .
Que horas seriam ? Não me recordo bem, mas com toda a certeza o mostrador electrónico do meu relógio de pulso mostraria que a meia noite já passara havia muito .
Olhos esbugalhados nuns, noutros mongolóides, procuravam ver as mãos. que tão desajeitadamente deixavam fugir os copos meio cheios . . . ironia do destino . . . meio cheios de qualquer coisa, que já não eram capazes de distinguir .
Não sei se os narizes eram vermelhos ou tudo já seria vermelho, menos a sua consciência . . . Essa, decerto, já era branca de todo . . .
Madeixas desgrenhadas sobre caras disformes, vestuário totalmente desalinhado e desventurados da sorte --- os carecas, esses sim, têm sorte completa, mas nenhum desses havia por ali, pelo menos que se visse ---, esses indivíduos de ambos os sexos procuravam na embriaguez a resposta, que outros procuram olhando as ondas do mar ou dos rios, quando correndo através dos seus rápidos .
Como não há regra sem excepção, nem sempre a embriaguez é provocadora de maus pensamentos. Por vezes, até é óptima conselheira, quando leva o seu possuidor a dormir a sono solto --- casos havia em que isso já sucedia, pelos roncos " enternecedores ", que Ía ouvindo ---, transformando-os em bebés, que ao acordar jamais se conseguem lembrar da forma como entraram naquele sono --- mas que lhes dói a cabeça, lá isso dói --- .
. . . Cai um banco . . . Estala mais um copo no chão . . . Mais uma lata de cerveja é deitada para o caixote do lixo . . . Derrama-se o conteúdo de outro copo . . . Ouve-se um zurro ou um grito . . . Duas vozes pândegas, que quase não se ouvem, mas que se entendem perfeitamente . . . Em suma, o ruído característico da frente de um balcão repleto de gente, em situação igual à que vos estou a relatar naquele estilo futebolistico-apolitico e sensível ou mesmo quase apocalíptico de qualquer frequentador assíduo de barbearia, em horas amenas de Primavera apetecível, pela tardinha fora . E os fósforos que se gastam quando um daqueles pândegos quer acender um cigarro ? E, se o cigarro tem o filtro virado para fora, semi caído dos lábios secos de tanto álcool ? Para quem nunca viu, deverá tomar o cuidado necessário, pois ao acender-se o cigarro, o fiel proprietário faz um trejeitozinho agressivo, cuspindo-o por vezes a distância razoável por se haver queimado ou por o gosto do fumo absorvido não ser do seu agrado . . .
Se alguém já experimentou essa sensação, decerto consegue bem melhor aperceber-se do espectáculo .
A escuridão quase completa no interior do bar, salvo algumas pequenas luzes vermelhas ou pequeníssimos " néons " de cor azulada e rosa, formava o resto do ambiente a par de uma música de fundo muito suave e convidativa à meditação e ao sono .
Lá fora, na rua deserta até então, ouviu-se uma " moto " . . . e outra . . . e outra . . . e outra . . . , daquelas que mais parecem um carro sem capota do que o nome que lhes estou a dar. Aquelas bisarmas ouvem-se a grande distância num perfeito ribombar de trovões entrecortados pelo faiscar dos barulhentos escapes, que também iluminam quem de luz precise .
Para além do balcão do bar, existiam duas mesas pequenas a um canto com um total de quatro toscas cadeiras de madeira, num espaço inferior a seis metros quadrados. Nelas, três moças conversavam ruidosamente sobre qualquer assunto, como de costume . . . Eram clientes assíduas . . . E a conversa era sempre a mesma . . O " Teddy ", esse já estava completamente de pantanas . . . e a " Flausina ", que esperava ter de o aguentar sob o lençol da cama, suspirava ora angustiada ora aliviada, pois o " brutamontes " já não devia passar do " Hall " da casa onde moram ou até mesmo da porta de entrada . . . Já não seria a primeira vez que o deixava a dormir ao relento ou no tapete da sala .
A temperatura exterior fazia-se sentir abaixo de zero graus centigrados, mas dentro do bar o ambiente levava uma pessoa a sentir-se dentro de um palácio. Calor não faltava, sobejando mesmo, situação ideal para levar alguns à cama com uma boa e reforçada dose de gripe .
De gargantas afiadas outros tantos Teddies ou Sam fizeram a sua entrada triunfal dentro do bar .
À vista destes os que estavam dentro saíram enrodilhados no seu próprio estado e sentaram-se altivos sobre as " motos " azuis, vermelhas, douradas ou pretas com aros luzidios e brilhantes faróis, predispostos a encontrar o seu caminho para casa. Passando a mão pelo cabelo engordurado e amarelecido enterraram os barretes, que sempre os protege do frio. Pondo as suas luvas de pele colocaram em funcionamento aquelas poderosas máquinas --- fazem sempre um barulho ensurdecedor, como se estivessem a ensaiar os motores para grandes competições --- .
Zarparam sobre as rodas traseiras a velocidades incríveis e, ao alcançarem a primeira curva, descreveram-na em derrapagem controlada com a perfeição de equilibristas, que ninguém diria estarem em estado lastimoso de conservação, como efectivamente estavam .
Os " Teddies " não têm dezassete ou dezoito anos de idade. Longe disso. Têm mais de quarenta e na sua maioria são veteranos do Vietname .
Juventude atribulada caminhando sem destino para uma senilidade desequilibrada, onde não entra a razão de existir nem o belo sexo oposto nem mesmo as lembranças líricas, que povoam as mentes normais pelo menos entre os doze e os vinte e cinco anos de idade, seja em que país seja .
Ainda hoje a Argentina nos mostra bem esse romantismo através dos seus Tangos e Milongas, romantismo esse proveniente do meu querido Velho Mundo, fosse de Espanha, de Portugal ou de outro qualquer país Europeu com tradições marítimas .
Apesar de tudo, especialmente de certa dose de saudosismo latino, a vida aqui seguindo o seu rumo natural, estonteante e desordenado, não me seduz. O meu espírito de aventura tem outro sentido que não esse . . . Talvez uma procura constante de dar satisfação à minha ideia interior de Liberdade e não de subjugação à Vida Exterior e Materialista, contrariando de certa forma aquilo a que chamam o “Sonho Americano“, ou seja, o fácil enriquecimento .
De onde terão vindo aqueles de quem vos falo ? . . .
Da droga ? Da sodomia ? Da mentira ? Do álcool ? Da prostituição ? . . . De onde ? . . . Do Nada, a não ser NADA . . . Fortes olhares rancorosos, que parecem querer dizer : " Deixem-me morrer onde estou ou deixem-me viver onde não posso estar " .
Apagaram-se as luzes do bar. As despedidas e os " Take'r easy's " soltaram-se dos lábios dos semi sãos, enquanto os outros, baixando as cabeças como que envergonhados, pagaram as suas contas --- pagam quando pagam, e se não pagam a dinheiro pagam com as costas na cadeia durante algumas horas, até que o prejuízo seja resgatado por qualquer familiar ou amigalhaço mais prevenido --- e sumiram-se nas ruas escuras sob o barulho ensurdecedor das suas " motos " infernais. Toda a gente, quer queira quer não é posta na rua, pois o dono do bar tem mais que fazer .
O bar fechou como sempre à hora certa. O " Bartender" contou os míseros níqueis ou amarrotadas notas, que lhe foram parar à mão. Foi conferida a fita da caixa registadora e substituída por outra para a contabilidade estadual, numa evidente troca de dados económico-contabilisticos a fornecer ao controle estadual --- na Europa também se usa esse sistema, mas não sei se foi importado de um lado ou de outro --- no sentido de concretizar o mais rapidamente possível o tão famigerado “ Sonho Americano “ .
Sob o olhar atento, o " Bartender " encerrou à chave as duas portas fronteira e traseira do prédio do rés-do-chão e, alquebrado pelo extenuante final de dia, dirigiu-se a casa para descansar afim de recobrar forças para enfrentar o dia que se avizinhava .
Onde estão os outros, que saíram primeiro ? Dizei-lhes adeus, pois talvez seja a última vez que pondes a vista em cima deles .
Palavras, leva-as o vento e nunca se sabe se aqueles, de que hoje falámos, não serão levados pelo vento, para nunca mais regressarem à nossa convivência .
O resto, leva-o a Morte e nada fica, senão a recordação de ter obtido mais um pouco de experiência vivida na Vila de Naugatuck, no coração do Estado Norte Americano de Connecticut .

Naugatuck ( USA ), 1982

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